“Frankenstein” é um dos livros mais fascinantes de todos os tempos. Foi escrito por Mary Shelley em 1818 e, além de ser uma das primeiras obras de ficção cientifica, é um dos três pilares do terror junto com “Drácula” e “Médico e o Monstro”. O livro foi um sucesso imediato logo que foi lançado e muitos ficaram surpresos por tal narrativa macabra ter sido concebida por uma jovem mulher. Mary teve a ideia do homem que tenta enganar a morte quando estava viajando com seu marido Percy Bysshe Shelley (importante poeta inglês) e ambos estavam hospedados na casa de Lord Byron (uma das figuras mais importantes do movimento literário denominado como Romantismo). Byron estava fascinando com alguns contos de fantasmas alemães que havia adquirido e tentava traduzi-los. Ao contá-los a seus colegas escritores, todos ficaram bastante empolgados com o estilo e decidiram emulá-los. Nesse processo criativo, Mary vislumbrou o que viria a ser o Prometeu Moderno. Todos os outros escritores ficaram chocados com a história de Victor e o estimularam a expandir a trama a um romance.
Frankenstein é tido como a primeira história que coloca em xeque a visão de homem como soberano da natureza e vê a ciência como algo potencialmente perigoso caso seja utilizada de forma inconsequente. O terror da narrativa também solidificou o conceito de “o mal criado pelo próprio humano que volta para atormentá-lo”, além da filosofia envolvendo a relação “criador e criatura” e o próprio significado da vida em si. Isso tudo embalado num suspense com estética gótica e aterradora.
Durante todo o século XIX e nas primeiras décadas do século XX, o teatro era a grande mídia popular. Sendo assim, diversas histórias ganharam o imaginário popular e muitos escritores sonhavam em ver suas histórias adaptadas por atores num palco.
O primeiro estouro de sucesso de “Frankenstein” se deu em suas adaptações teatrais. A primeira vez que foi encenada foi em 1823, onde as primeiras maquiagens para o monstro foram elaboradas. Diz a lenda que o primeiro ator que interpretou a criatura precisou de uma quantidade tão grande de maquiagem que sua pele teve uma reação alérgica que resultou em um encolhimento e enegrecimento dos lábios.
Com a chegada do cinema, a grande mídia popular logo começou a migrar e, com isso, temos o primeiro filme verdadeiramente relevante de “Frankenstein” em 1931. É aqui que começamos a traçar as diferenças entre o livro e os principais filmes. A produção da Universal da década de 30 foi tão imageticamente poderosa que definiu o visual do monstro para sempre. Certamente é um dos filmes de terror mais influentes de todos os tempos. Boris Karloff está no papel de monstro e, com sua interpretação, estabeleceu o jeito de andar junto com a maquiagem icônica com pontos de costura, pregos no pescoço e a cabeça em forma de tampa. Apesar de ser o filme mais clássico, ele é radicalmente diferente do livro.
Para começar, o protagonista Victor é chamado de Henry e, em sua primeira cena, ele já está violando um túmulo para seus experimentos acompanhado de seu ajudante corcunda. Tal ajudante simplesmente não existe no livro, mas, provavelmente, foi colocado no roteiro para que o Doutor tivesse alguém para conversar nos primeiros momentos do filme. Diferente do que muitos pensam, ele não se chama Igor. Tal clichê do ajudante corcunda nasceu no cinema e não na literatura.
O filme não explica o fascínio do Doutor em trapacear a morte. Sua interpretação é simplesmente a do cientista louco e megalomaníaco que acabou se tornando um dos clichês mais clássicos do século XX. A família Frankenstein é completamente simplificada e a relação do Doutor com sua amada Elizabeth se reduz a um simples noivado. Uma das mudanças mais radicais é a forma como o Doutor se relaciona com sua criação. No livro, assim que ele percebe que o ser criou vida, fica completamente horrorizado com o que fez e se arrepende amargamente, tentando esconder a todo custo o seu erro. Neste filme, o Doutor se orgulha de seu trabalho e até o mostra para um ex professor e sua noiva como algo maravilhoso.
Outra mudança radical é que o monstro, em nenhum momento, desenvolve inteligência e se mantém constantemente como um ingênuo perigoso. Na verdade, a criatura criada dos mortos não possui nenhuma profundidade, sendo justamente a profundidade do monstro um dos grandes triunfos do livro. O roteiro todo gira em torno da perseguição do monstro numa espécie de corrida de gato e rato, até que a criatura é atacada pelos camponeses, o que também gerou uma das cenas mais clássicas da história do cinema.
O filme foi um gigantesco sucesso e, logo, a Universal quis uma continuação da história, mesmo que o roteiro impossibilitasse tal continuação. A escolha dos roteiristas foi pegar uma pequena parte do livro e transformar num filme inteiro. Na história original, o monstro pede a seu criador por uma companhia. “Assim como Adão teve sua Eva” ele diz. Victor chega a começar a construir tal criatura, mas ao pensar que elas poderiam se reproduzir e criar uma nova raça nefasta, ele desiste da ideia e nem chega a terminá-la. O filme “A Noiva do Frankenstein”, de 1935, trabalha em cima dessa ideia. O roteiro em si é totalmente rocambolesco, mas nele, finalmente, temos o monstro um pouco mais inteligente e a concretização da tal noiva. Este filme também foi um sucesso absurdo na época e solidificou a ideia da “Noiva do Frankeinstein” na mitologia da história. Também por causa deste filme começou a se confundir o monstro com o doutor, e muitos passam a achar que a criação se chama Frankenstein, mas o arremedo de corpos nunca ganhou um nome.
O grande filme que realmente se preocupou em adaptar o livro de forma mais fiel foi “Frankenstein” de Mary Shelley”. Depois do sucesso de 1992, “Drácula de Bram Stoker“, dirigido pelo Coppola, houve a tentativa de criar uma série de filmes que adaptassem os grandes clássicos do terror literário de forma definitiva. O próximo passo foi a obra de Shelley. A responsabilidade foi dada ao diretor Kenneth Branagh, que, na época, era conhecido pelas melhores adaptações de William Shakespeare para o cinema, além das atuações espetaculares em tais filmes. Com a função de diretor, ele também atuou como Victor, e da mesma forma que Coppola fez com Drácula, ele decide fazer um filme que não tem vergonha de ser altamente gótico, dramático e poético. Isso fica claro nas atuações exageradas e teatrais e em coisas como personagens falando sozinhos ou de forma super eloquente em momentos onde isso não seria necessário. Os próprios diálogos são bastante líricos e propositalmente parecidos com a linguagem do livro. As modificações que são feitas nesta adaptação estão no intuito de simplificar algumas coisas. Tanto a família de Frankenstein quanto a família dos camponeses que o monstro observa tem suas histórias resumidas.
Uma preocupação do roteiro é justificar a fascinação de Victor com a morte através de um drama pessoal, que, no caso, é uma morte prematura de sua mãe. Após a criação da criatura (interpretada por De Niro) o Doutor não se arrepende de imediato, mas, de certa forma, retorna à lucidez e desiste de seu projeto. É dado um foco e uma intensificada maior no romance de Victor e Elizabeth para intensificar o clímax do filme. Ao mesmo tempo em que Branagh deseja fazer uma adaptação fiel do livro, ele não deseja ignorar completamente o marco do cinema que foi o longa de 1931 e de 1935 e faz uma série de homenagens. O filme dos anos 90 tenta pegar -e sintetizar- os melhores conceitos que existem nos livros e nestes dois filmes anteriores. O resultado é um filme belíssimo que captura toda a filosofia e beleza da obra original junto com a imagética do cinema clássico. Até agora a melhor adaptação que foi filmada desta obra prima.
“Frankenstein” é uma história universal, pois aborda temas que são comuns a todos de forma atemporal. O que é a vida? Ela tem propósito? Até onde o homem controla a natureza? Qual a origem do mal? Enquanto essas perguntas não forem respondidas, nós sempre estaremos lendo, relendo, adaptando e readaptando esta obra que já se tornou um mito moderno. Estaremos eternamente fascinados pelo homem que costura corpos no silêncio da noite tentando desafiar Deus porque, secretamente, todos temos um pouco de Frankenstein dentro de nós.