Caros eleitores, gostaria de fazer para vocês algumas promessas que pretendo cumprir até a última palavra deste artigo. Caso me considerem digno de ser lido, prometo abordar alguns aspectos da política nos quadrinhos. Heróis ou vilões em cargos políticos e até mesmos paralelos entre ficção e realidade estão entre os tópicos deste “mandato” em forma de texto. Curioso (a) ? Então pegue seu título de leitor nerd, me dê um voto de confiança e boa leitura.
Antes de qualquer análise, é importante trazer algumas definições. Afinal de contas, política não é algo que se resume apenas a questões como, por exemplo, corrupção e eleição. Vai muito além disso. Em minha pesquisa, encontrei um artigo escrito por Daniel Leite da Silva Justino para o site Web Artigos que, de acordo com a minha leitura, tem argumentos que se associam com os pensamentos de Aristóteles sobre política. Destaque para esta citação: “Na concepção aristotélica o estado surge a partir de uma necessidade imanente (natural) do homem em criar instituições que garantam a felicidade de seus cidadãos.” Por conta disso, se trata de um item fundamental para a vida em sociedade.
No primeiro texto dessa coluna, comparei o atual presidente dos EUA Donald Trump ao icônico vilão da Marvel Norman Osborn. Naquela ocasião, foi inevitável comparar as atitudes de um antes de eleito com a jornada do personagem nas recentes sagas da editora. Uma análise similar a essa também pode ser encontrada no excelente artigo “O Candidato Thanos”. Escrito por Rebeca Puig e publicado no site Nebulla, o texto mostra os pontos em comum entre as ações do vilão de Guerra Infinita e as declarações polêmicas do candidato a presidência Jair Bolsonaro. Leitura recomendada exatamente pela reflexão que proporciona aos seus leitores. Nesse sentido, também fica a recomendação deste vídeo do canal Dois Dedos de Teologia sobre Thanos e a questão da Eugenia.
Um comentário que podemos fazer sobre essas análises é que elas trazem a tona a seguinte pergunta: porque vilões dos quadrinhos e políticos extremistas tem tanto em comum? A resposta pode estar no absurdo de suas ações. Olhando bem atentamente, é como se a ficção se inspirasse nessas figuras e as usasse como molde para criar histórias mais impressionantes. Mesmo que não seja esse o caso, o tipo de comparação ainda é válido. Para algumas pessoas, pode parecer algo forçado demais tentar relacionar quadrinhos de super-heróis com política já que a principal função do meio é o entretenimento. No entanto, isto não impede que haja espaço para metáforas e críticas ao momento atual.
Isto nos leva à outra definição importante, principalmente para os dias de hoje, sobre totalitarismo. Para falar sobre isso, encontrei este artigo de Clayton Zocarato que de acordo com a minha perspectiva tem argumentos que se associam aos pensamentos do jurista italiano Norberto Bobbio. Ele comenta sobre o significado deste termo que está voltado para uma forma de dominação que “não se limita em apenas destruir a vida política do homem, mas sim suas instituições e sua capacidade de afirmação na sociedade, isolando-o, ficando submetido a sua vontade.” Outro ponto importante neste texto está relacionando ao uso da propaganda ideológica como forma de fazer com que o medo prevaleça na sociedade e assim cada cidadão se torne um membro em potencial do sistema totalitarista.
Quem também se encaixa neste contexto é Lex Luthor. O vilão do Superman já foi presidente dos EUA durante um curto período nas HQs da DC Comics. Sua jornada política começou na minissérie Superman: Lex 2000 e teve seu grande momento no arco Superman/Batman: Inimigos Públicos. Na trama, o presidente Luthor coloca em prática seu plano de manipular a opinião pública para que vissem os heróis como grandes vilões do povo. De certo modo, isso se assemelha com vários casos em que o governo americano utilizou a mídia como instrumento de disseminação do medo de países do Oriente Médio.
Ainda no campo midiático, não tem como não pensar no poder de uma fake news quando o assunto é política. O Homem-Aranha é um herói que sempre foi alvo desse tipo de material pseudojornalístico. Mesmo que seu alter-ego Peter Parker contribuísse para isso de certo modo, não há como negar que John Jonah Jameson sempre usou o poder da imprensa como ferramenta de disseminação de ódio. Ele sempre considerou o amigão da vizinhança uma ameaça por vários motivos sendo que o principal deles era o fato do aranha combater o crime usando uma máscara. Em vários momentos nas HQs, o editor-chefe do Clarim Diário deixou bem claro que os verdadeiros heróis sãos os policiais, bombeiros, astronautas (principalmente seu filho), e outros exemplos de pessoas que arriscavam suas vidas sem esconder a própria identidade.
Isto nos leva novamente ao ponto do fascismo. É muito comum ver por aí argumentos de que os super-heróis são na verdade todos fascistas. Ao agirem sem a aprovação de um governo democrático, eles demonstram “total desprezo pelas instituições criadas em torno do voto”. Essas e outras questões são abordadas no artigo “Seria o Superman um fascista?”. Publicado no site Quadrinheiros por Nerdbully, o texto analisa se este grande ícone dos quadrinhos é mesmo uma representação dessa ideologia política através de um artigo e de um livro escritos por Rogério de Campos. Nesse sentido, vale destacar um trecho deste artigo:
Campos afirma que mesmo a crítica ao Estado em várias dessas HQs seria de extrema direita, que “o Estado surge como vilão porque, dominado por fracos e covardes, impede os seres superiores de exercer seu poder livremente”.
Como disse anteriormente, as histórias de quadrinhos podem fazer metáforas sobre momentos atuais incluindo criticas a questões politicas. Se pegarmos como exemplo a saga Guerra Civil, teremos uma história que discute questões como liberdade e segurança em uma mundo tomado pelo medo após uma grande tragédia. Desse modo, não é forçoso relacionar esse material aos temas que entraram em pauta de forma significativa na sociedade americana após os atentados de 11 de setembro de 2001. Durante muitos anos, esta discussão sobre ser necessário regulamentar as ações dos heróis tomou conta das HQs da Marvel e influenciou muitas outras histórias produzidas nos anos posteriores.
Inclusive, não é à toa que em Guerra Civil 2 um novo tema foi abordado tendo mais uma vez a oposição de lados na comunidade heroica. Pegando como exemplo a posição defendida pela Capitã Marvel nesta saga, favorável a intervenção em ações criminosas antes mesmo delas acontecerem, teremos mais uma vez uma crítica à várias questões pertinentes na sociedade. Uma delas é a questão da super vigilância e, portanto, o fim das liberdades individuais. Esta temática ganhou os holofotes durante grande parte do governo Obama e seus programas de vigilância de comunicações. Nesse contexto, fica a recomendação do filme Snowden (2016) sobre o ex agente da CIA e NSA que revelou o sistema de espionagem do governo estadunidense: Edward Snowden. Leia mais sobre isso com a crítica escrita por https://quartaparede.com.br/wp-content/uploads/2015/08/disp-dest-antman-dest-1.jpg.
Por último, um exemplo que não pode faltar quando o assunto é política e quadrinhos: Capitão América. Tendo em vista que se trata de um personagem que não se desvencilha do espectro patriótico, ele já foi inserido em várias questões questões políticas. Já foi um líder autoritário em sua fase recente após ser trocado por uma versão manipulada pela Hydra, socou Hitler em sua primeira aparição nas HQs e até já foi presidente dos EUA em um universo alternativo. Com os dois primeiros casos já foram comentados nesta coluna em outro artigo, este texto irá olhar para o momento em que Stever Rogers foi eleito mesmo sem ter seu nome em cédulas eleitorais.
Tudo teve início em Ultimates #15 (2012). Na história, a cidade de Washington foi aniquilada por uma bomba e por isso o país está dividido em vários movimentos separatistas que os heróis não conseguem conter. Como forma de solução, o povo escreveu o nome do Capitão América na cédula e o herói aceitou o cargo. Neste sentido, vale lembrar que o Capitão deste universo é uma versão bem mais militarista e conservadora se comparado com a do universo regular 616. Independente disso, não há como ver esta fase das HQs e não relacionar com momentos atuais em que muitas pessoas nas redes sociais pedem para que o exército se envolva na política de forma efetiva como forma de solução para os problemas gerados por má gestão e principalmente corrupção. Para algumas pessoas, este Capitão no poder é como se a mensagem “A esperança venceu o medo” fosse o lema para um mundo livre dos mesmos políticos de sempre.
Observando este exemplo, torna-se mais importante ainda enfatizar que a política não pode ser definida de forma simplista. Colocar um super-herói no poder torna ele um “salvador da pátria”, um conceito que muitos políticos usam em seu marketing para se mostrar como solução para todos os problemas criados em gestões anteriores.É importante refletir sobre isso pois o termo em questão vai muito além do maniqueísmo (bem x mal) que costumamos ver na ficção.
Enfim, encerro meu “mandato” em forma de texto agradecendo todos vocês por este voto de confiança. Obrigado por terem lido até o final. Peço desculpas se não utilizei mais exemplos que, por sua vez, tornariam este artigo algo gigantesco. Espero voltar ao tema algum dia, principalmente com a aprovação dos meus caros eleitores deste coluna. Se ainda for digno de retomar este tema, prometo que novamente farei isso com o intuito de cumprir todas as promessas feitas. Sem exceção!
Este artigo contou com revisão e orientação de Michele Corrêa de Castro. Michele é Bacharel e Licenciada em Ciências Sociais pela Universidade Estadual Paulista (UNESP-Campus de Marília), Mestre em Ciências Sociais, linha de Política e Sociedade, pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). Prêmio de Mérito Acadêmico em 2008.
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Olhar Literário é uma coluna escrita por Marcus Alencar. Marcus é redator no site Leituraverso e um dos hosts do podcast Leituracast