Podemos dizer que os objetivos da 1ª temporada da série animada de Castlevania (cuja crítica você pode conferir aqui) foram os seguintes: apresentar as motivações do vilão, convencer o herói a tomar partido na luta, reunir o time de heróis, e fazer com que tais elementos se encaixassem em apenas 4 episódios de, em média, 20 minutos de duração. Diante dessas colocações, percebe-se a clara intenção da 1ª temporada de servir como uma espécie de laboratório para testar como os fãs receberiam a animação, cuja inspiração é nada menos que uma das franquias de games mais aclamadas da Konami.
Naturalmente, as perguntas que ficaram ao final da 1ª temporada abriram os portões para a temporada seguinte. Onde diabos está o terceiro aliado de Trevor Belmont? Que outros personagens, sejam eles vilões ou heróis, poderão aparecer na 2ª temporada? Por que a animação não se apropriou de elementos da tão aclamada trilha sonora dos jogos da franquia? Pelo visto, o produtor Warren Ellis acolheu o feedback dos fãs, e respondeu com uma 2ª temporada que aprendeu com os erros e manteve os acertos, brindando o público com uma primorosa continuação.
Os 8 episódios da nova temporada também têm duração em torno de 20 minutos. A duplicação da quantidade de episódios em relação à temporada anterior permitiu, por sua vez, uma maior complexificação da trama e um desenvolvimento cuidadoso da psiquê dos personagens, tanto em relação aos já conhecidos heróis quanto em relação aos vilões.
O ritmo da 2ª temporada é ditado por arcos bem definidos, onde o primeiro arco é a reconstituição da captura e condenação de Lisa Tepes, seguido pela alternância de núcleos onde se desenvolvem as articulações dos heróis e as dos vilões, articulações estas cujo clímax, naturalmente, é a luta final.
Em se tratando do núcleo dos heróis, podemos dizer que o objetivo na 2ª temporada foi o de criar um amálgama entre Alucard, Sypha e Trevor, tornando-os mais carismáticos, objetivo este que foi alcançado com louvor mediante o bom uso do alívio cômico. As DR’s entre o fanfarrão Trevor Belmont e o elegantemente sóbrio Alucard rendem situações divertidas, com Sypha desempenhando o papel de moderadora dos dois marmanjos, muitas vezes se dirigindo a eles com um tom maternal, como na ocasião em que fez menção à infância de Alucard e, no caso de Trevor, ao fato de não ter tido uma. A coesão e o carisma do trio Sypha/Alucard/Trevor acabou por tornar desnecessária a presença do famigerado terceiro aliado de Trevor. Como o próprio Warren Ellis chegou a declarar, a inclusão do pirata Grant criaria um ponto destoante no trio. Decisão acertada, diga-se de passagem.
Com a conclusão do arco que uniu o time dos mocinhos, agora era a vez de Michel Te… ops, de Drácula reunir seus vassalos, sendo que esta reunião não seria tão simples. Ao saberem da motivação de Drácula de exterminar a raça humana por ter sido ele próprio privado de sua amada, que era humana, os generais do lendário vampiro começam a olhá-lo com desconfiança, e essa desconfiança só piora quando os vampirão convoca dois humanos para serem seus marechais: Hector e Isaac, que protagonizaram o título Castlevania: Curse Of Darkness, lançado em 2005 para PS 2. Cronologicamente, a trama de Curse Of Darkness se situa pouco mais de 3 anos após os eventos de Dracula’s Curse, o que atesta o zelo do produtor Warren Ellis para com o cânone dos jogos.
Conhecidos por suas habilidades como Mestres de Forja, ou seja, “fabricantes” de seres malignos sobrenaturais, Hector e Isaac são recrutados por Drácula durante o período em que o vampirão fez suas andanças pelo mundo, sendo que os fatores que fizeram com que Drácula os designasse como seus mais altos generais foram tanto a capacidade de criarem um exército de demônios, quanto o ódio incondicional que ambos nutriam pela humanidade, devido às experiências traumáticas que Isaac e Hector sofreram nas mãos dos humanos, esses sim os verdadeiros monstros. A construção da psiquê sofrida dos dois é digna de nota, o que faz com que o espectador se compadeça dos novos vilões, e, até determinado ponto da trama, chegue até a torcer pra que o objetivo de Drácula de exterminar a humanidade seja alcançado.
O vampiro mais poderoso de todos, por sua vez, tem alguns problemas. Considerando que o amálgama do núcleo dos vilões é o ódio pela humanidade, sendo Drácula o ponto máximo desse ódio, vemos, no entanto, um Drácula em crise quanto às suas próprias motivações destrutivas, sendo que, na temporada anterior, essa motivação destrutiva parecia estar totalmente consolidada. Essa crise existencial em relação à motivação de Drácula abriu portas pra que outros vilões tivessem mais projeção do que o vilão principal, como foi o caso de Carmilla e Godbrand, os dois vilões que funcionaram como catalisadores da rede de intrigas e traições decorrentes da crise de liderança de Drácula.
Enquanto o vampiro viking Godbrand encarnava a dimensão emocional (explosivo, impulsivo e exagerado), Carmilla, por sua vez, encarnava a dimensão racional dessa crise (ponderada, articuladora, femme fatale, que faz ameaças aos sussurros). Essa rede de intrigas e traições tomou um tempo considerável de tela, a ponto de criar até uma certa “barriga” no ritmo da trama, mas nada que comprometesse o resultado final, que, diga-se de passagem, valeu muuuuito a pena.
À medida que heróis e vilões se preparam para o confronto final, o espectador é brindado com uma chuva de fan-services que enriquecem a narrativa, como a história contada por Trevor sobre Leon Belmont, o ancestral que legou aos Belmont a tarefa de caçar criaturas malignas; a aparição de criaturas marcantes dos jogos, como a dupla de demônios Gaibon e Slogra; a criação de um clima eloquente para preceder a aquisição de itens icônicos, como é o caso do chicote de aço Estrela da Manhã, a versão mais fodona do lendário Vampire Killer. Todos esses fan-services são regrados com cenas de combate muito bem articuladas, sanguinolentas e brutais, flertando diversas vezes com o gore, seguindo a fórmula da 1ª temporada e fazendo jus, por consequência, à memória de Vlad Tepes III, o Empalador, que, como se sabe, foi a figura histórica que inspirou o escritor Bram Stoker a criar Drácula.
A luta final é a cereja do bolo, como já era de se esperar. Apesar da incursão do trio de heróis no interior do castelo de Drácula ter sido um tanto “fácil”, a luta que precede o confronto final contra Drácula é o fan-service por excelência desta 2ª temporada, a começar pela trilha sonora que prenuncia e ambienta todo o combate, seguida pelos trejeitos e movimentos dos personagens na luta, nos ângulos das tomadas, e, por fim, nos golpes e habilidades que vemos os personagens executarem nos jogos.
O mesmo se aplica ao combate contra Drácula, uma luta que toma proporções muito mais dramáticas que as anteriores, pois, no final das contas, é um confronto entre pai e filho, e é essa dicotomia que faz com que o espectador oscile entre torcer pelo herói e se apiedar do vilão. Em ambos os casos, a comoção com o desfecho da luta é certa.
Surpreendentemente, a luta final ocorre no penúltimo episódio, o que inevitavelmente leva à pergunta “o que mais falta acontecer?”. Naturalmente, a pergunta funciona como uma deixa para os eventos que se desenrolarão ao longo da 3ª temporada, que já foi confirmada pela produção antes mesmo da estreia da 2ª. Com a fragmentação do núcleo dos vilões, parece que as atenções da 3ª temporada recairão sobre os antigos generais de Drácula, o que leva à especulações sobre se a série vai enveredar de vez para os eventos de Curse Of Darkness, por exemplo.
Apesar de alguns problemas de ritmo e, principalmente, pelo fato de ter trazido à tela um Drácula um tanto exausto e em crise, Warren Ellis fez um trabalho soberbo nesta 2ª temporada de Castlevania, usando e abusando da estética visual de Symphony Of The Night; dos pontos de toque de Curse Of Darkness e Dracula’s Curse para a concepção da trama; de um time de dubladores muito bem escolhido, e, por fim, de uma chuva de fan-services usando elementos canônicos da saga, temperando tudo com releituras da aclamada trilha sonora.