A opressão sempre marca a vida de quem é vítima dela, seja na vida real ou na ficção. Prova disso é que a dor se torna um ponto fixo não só na memória como na alma. Por esse motivo, momentos na história que proporcionam este tipo de marca profunda nunca deveriam sequer ser pensados como motivo de comemoração. É por conta de notícias como essa sobre o atual presidente celebrar o golpe de 64 que trago aqui exemplos literários diferentes para mostrar como esta e qualquer outra celebração do tipo é absurda.
Primeiramente, um contexto histórico. Afinal de contas, é sempre importante lembrar o quanto os anos conhecidos como o período da Ditadura Militar no Brasil (1964-85) foram sombrios em vários sentidos. Quem fazia a resistência pagava sempre muito alto. Sequestros e torturas dos mais variados tipos estão entre as ocorrências que deixaram marcas profundas nessas pessoas. Quem sobreviveu, carregou consigo lembranças dolorosas. Todo esse pesadelo histórico teve como momento importante a data de 31 de março de 1964, quando estavam em andamento os eventos que culminaram no golpe de estado dado pelos militares para tirar João Goulart do poder.
O primeiro e mais importante exemplo vai justamente para uma obra escrita por quem viveu este período. “Abraços que Sufocam”, do jornalista Roberto Espinosa, é um livro organizado por meio de artigos no qual o autor aborda não só momentos da luta armada contra os militares como também temas pertinentes como a apatia dos movimentos populares após a redemocratização do país, a conjuntura latino-americana, a decadência do social-corporativismo no Leste Europeu. Além disso, os leitores vão conhecer situações vividas por ele quando foi preso político entre os anos de 1969 e 1973. Uma importante recomendação para quem quiser conhecer a dor de quem viveu esses anos sombrios.
Indo mais para o campo da ficção, vale citar o ebook “Boas meninas não fazem perguntas”. Escrito por Lucas Mota e publicado em versão impressa após uma campanha de financiamento coletivo, o livro nos apresenta um futuro distópico onde o comércio de mulheres é legalizado. Com base nessa premissa, o público já tem o suficiente para imaginar que a história traz uma realidade em que a opressão do patriarcado é potencializada em suas mais variadas formas. Inclusive, vale traçar um paralelo com um clássico visionário que foi uma das inspirações de escrita do autor: “1984”, de George Orwell. Na obra do escritor inglês, temos o que pode ser chamado de “antevisão” do futuro. Já na publicação de Lucas, há uma crítica pertinente à um problema antigo porém atual como bem explica a resenha do Mozer Dias para o Leituraverso:
“Apesar do tom ficcional, a distopia serve exatamente para criticar essas tendências que a nossa sociedade está seguindo atualmente. O que o livro faz é simplesmente extrapolar esse cenário patriarcal tomando como ponto de partida a ciência e a tecnologia.”
Em “A Menina Que Roubava Livros”, o leitor encontra uma história situada no período da Segunda Guerra Mundial. Neste livro, conhecemos a trajetória de vida de Liesel Meminger. Uma menina que, em tempos de livros incendiados, encontra um caminho para furtar obras variadas para ler na biblioteca da prefeitura da cidade. Um exemplo de resistência na época da Alemanha nazista de Hitler. Afinal de contas, destruir a literatura é também uma forma de controlar o povo mantendo-o na ignorância. O momento é forte e simbólico e foi bem retratado na adaptação dirigida por Brian Percival.
Enfim, seja através de relatos reais, dramas ou até mesmo distopias a certeza é que toda ditadura tem a opressão como sua linguagem principal. É através dessa violência que vidas humanas são dolorosamente marcadas, perdidas e desrespeitadas. Com todos esses poucos exemplos, acredito que esteja mais do que claro que não há de forma alguma motivo para comemoração da data que marcou o início da ditadura militar. O mais importante é a lição a ser aprendida com o passado e como usar esse aprendizado para evitar que a nossa realidade não se torne tão caótica quanto uma distopia.
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Olhar Literário é uma coluna escrita por Marcus Alencar. Marcus é redator no site Leituraverso e um dos hosts do podcast Leituracast