Escrever a crítica de um filme como O Irlandês é muito difícil por uma série de motivos. O principal deles é pelo fato desse filme ser dirigido por Martin Scorsese e estrelado por Al Pacino, Robert De Niro e Joe Pesci. A junção desses nomes por si só já leva a crítica e os fãs a gostarem desse filme, principalmente porque houve um relativo hiato onde Scorsese deixou de produzir seus filmes de máfia e violência urbana. Há tempos que os três atores também não voltavam para papéis de peso que os deixaram famosos. É um grande retorno em todos os sentidos. Um retorno que todos esperavam e ansiavam. Outro motivo é o fato desse filme ser bastante longo (três horas e meia) e contar com inúmeros personagens e tramas paralelas, quase como uma minissérie condensada. Portanto temos um grande volume de conteúdo e informação com a junção de um hype que vem sendo construído há anos.
O longa é uma adaptação do livro I Heard You Paint Houses do escritor Charles Brandt que foi transformado em roteiro por Steven Zaillian que tem uma carreia longa de roteirista em trabalhos como A Lista de Schindler, Tempo de Despertar, Hannibal, Gangues de Nova York e o primeiro filme da franquia Missão Impossível. Estou ratificando a qualidade da carreira de Zaillian porque acredito que o fato de O Irlandês ser um ótimo filme se deve muito mais ao incrível roteiro feito por ele do que uma direção primorosa, não que o trabalho de diretor de Scorsese neste filme seja ruim.
No livro Último Turno, de Stephen King, ele coloca na boca de uma personagem uma observação que claramente é sua: “Gosto do Scorsese porque seus filmes são longos como ler um livro”. Talvez O Irlandês seja a síntese desse sentimento. A história não é somente sobre o protagonista adentrando no mundo da máfia e aprendendo a sobreviver dentro de um mundo corrupto e perigoso. O que temos é o Zeitgeist do crime organizado americano e como ele está intrinsecamente ligado a cultura e política. É uma história sobre amizade, lealdade e envelhecer. Uma obra grandiosa que também pode lembrar narrativa de Bernard Cornwell onde temos um personagem que presenciou momentos históricos contando sua vida na velhice.
Por isso acho que neste projeto o nome de Zaillian seja mais relevante do que o de Scorsese, pois a direção serve a história e não se sobressai muito. A sagacidade do diretor foi entender que ele deveria ser subserviente ao roteiro. Aqui você não vai encontrar grande técnicas ou tomadas brilhantes em simbolismo ou qualquer coisa do tipo. Zaillian e Scorsese são mais como tecelões que estão costurando, diante de nossos olhos, essa intrincada teia de eventos e personagens.
Em termos de atuações temos uma coisa levemente estranha. Robert De Niro é o protagonista irlandês que adentra no mundo da máfia e nos narra sua história. Para interpretar um irlandês foi feito o uso de uma lente que deixa seus olhos num tom azulado. Além de esteticamente artificial é muito difícil pegar um rosto tão conhecido e consagrado no cinema e usar esse recurso. É muito difícil se acostumar com lentes tão artificiais. O mais estranho é que não existe uma profunda importância para o personagem de De Niro ser irlandês, apesar de esse ser o nome do filme. Mas de modo geral sua atuação é excelente como se espera.
O que acaba surpreendendo mais é Joe Pesci que faz um papel muito diferente do que está habituado. Aqui ele é um magnata do mundo do crime e da política. Ele é o homem que puxa as cordas das marionetes, o homem atrás da cortina que aparenta ser inofensivo, mas decide vidas com uma frase. E faz tudo isso sem levantar a voz. O ator ficou conhecido pelos seus gritos hilários e sequências incansáveis de palavrões, algo que nasceu para fazer, mas por sorte esse filme nos mostra que ele é um ator de alcance maior do que o esperado.
Al Pacino também faz uma figura ligeiramente diferente do habitual. Seus personagens costumam ser bastantes extremos e exagerados. Aqui temos alguns momentos assim, mas de modo geral ele é bem mais calmo e centrado. O que mais interessa em seu desempenho é como ele consegue colocar as sutilezas necessárias para dar volume ao seu personagem.
O filme gira ao redor desse trio de personagens complexos. Homens calejados pela criminalidade que tentam viver normalmente e precisam conter suas emoções diante do mundo frio e cruel que eles mesmos criaram. Graças a sua longa duração ele consegue dar um panorama completo não só da vida pessoal de cada um, mas também da história dos EUA após a Segunda Guerra Mundial. Por vezes pode parecer uma combinação do lado épico de Poderoso Chefão com o estilo narrativo de Bons Companheiros. Não chega a ser melhor do que Poderoso Chefão, mas acredito que supera Bons Companheiros em diversos pontos. Uma verdadeira obra prima sobre máfia e sobre a passagem de tempo de uma vida.