De modo geral se espera que qualquer crítica seja imparcial. Lá no fundo isso é impossível, pois qualquer análise de uma obra de arte carrega consigo toda a bagagem cultural e pessoal daquele que está fazendo a crítica. A ideia de uma crítica totalmente imparcial é um mito propagado por pessoas que não entendem muito bem que a arte, em sua essência, é subjetiva. Entretanto, é preciso um esforço constate para que exista uma conversa minimamente coerente sobre arte, e para tal, é preciso criar alguns conceitos objetivos para que a conversa sobre arte seja viável. Ou seja, a imparcialidade total é impossível, mas devemos nos esforçar para que ela exista e seja possível conversar sobre arte em termos compreensíveis por todos.
Porque estou dando essa volta toda?
Essa crítica será muito menos imparcial do que todas as outras que já fiz nesse site, pois Dois Irmãos trata justamente do maior desejo da minha vida mesmo que eu nunca possa concretizá-lo e é por isso que é muito difícil para mim ser totalmente racional ao analisar esse filme, mas tentarei fazer o meu melhor.
Num mundo onde a magia foi esquecida, diversas criaturas mitológicas vivem num mundo semelhante ao nosso. Tecnologia, instituições e tudo mais é idêntico ao nosso mundo. O passado com guerreiros, magos e maldições se tornou inspiração para jogos de RPG que recriam esse passado glorioso. Mas, quando dois irmãos elfos descobrem uma magia que pode trazer o falecido pai de volta a vida por um dia, se inicia uma jornada para conseguir o último componente capaz de finalizar o feitiço e finalmente ter a chance de ver o falecido pai uma última vez.
Mais uma vez a Pixar consegue trazer um longa animado que possuiu de tudo: aventura, comédia e um drama comovente. O que mais surpreende é que o filme se dedica a ser uma grande homenagem ao clássico RPG Dungeons & Dragons, as vezes até com menções diretas a monstros do jogo e outros conceitos. Mas na verdade esse não é o grande foco da trama, e sim a relação entre dois irmãos protagonistas.
Ian (voz original de Tom Holland) é o típico personagem quieto, tímido e que deseja se enturmar mais com seus colegas de escola, além de ter o trauma de nunca ter conhecido o pai, já que ele faleceu quando o mesmo era muito novo. Barley (voz original de Chris Pratt) é o irmão mais velho que é fissurado pelo passado mágico de seu mundo e que por vezes parece deslocado do tempo presente. Mesmo assim possui um bom coração e faz de tudo para se aproximar de Ian. É justamente aqui que mora o coração do filme. A interação de duas personalidades opostas unidas numa missão e num trauma em comum.
A construção de mundo também é um espetáculo em si. Muitos podem achar semelhante ao filme Bright da Netflix. De fato, eles trabalham com o mesmo conceito de um mundo contemporâneo povoado por elfos, orcs e outras criaturas do tipo. Nos dois fimes a magia também é um conceito esquecido e tido como retrógrado. A grande diferença é que neste filme não temos a abordagem social de conflitos étnicos, e sim o conflito de Passado Idealizado vs Presente Realista. Dois Irmãos é uma ode a aventura de fantasias épicas, mas onde a missão dos aventureiros não é salvar o mundo, mas algo muito mais pessoal e profundamente impactante, e de certamente, poeticamente trágico.
Também temos a clássica jornada de crescimento do personagem Ian, e que apesar de já termos visto esse tipo de plot infinitas vezes (muitas deles com a própria Pixar) é feita com total competência pelos roteiristas Dan Scanlon (que também é diretor), Keith Bunin e Jason Headley. Outra qualidade da trama é dar personalidades complexas para personagens secundários, como a mãe dos irmãos, o padrasto e a divertida Manticora.
Esse vai ser mais um filme da Pixar que provavelmente vai te fazer chorar e que possuiu muita criatividade e diversos personagens cativantes e memoriáveis. Aqueles que gostam de RPG vão se sentir agraciados por um filme que trate desse tema com tanta paixão e todos vão poder se conectar com a jornada dos irmãos.