Certamente você já esbarrou com esse termo em algum momento, principalmente no que diz respeito a cinema. É aquele tipo de palavra que é repetida à exaustão e com tanta certeza que acabamos não parando para pensar sobre o seu verdadeiro significado. Mas assim como eu tentei, em vão, definir o que seria “hipster” nesse texto aqui, cult está muito associado a esse conceito de diferente, único e exclusivo. Algo que pertence a um grupo específico e fica sendo cultuado justamente por não ser tão popular assim. A questão é que algumas obras se tornam cults por motivos diferentes, então talvez o melhor jeito de explicar, ou tentar explicar, essa palavra, seja falando sobre algumas dessas obras.
Senhor dos Anéis é um dos livros de ficção mais vendidos de todos os tempos, e sua adaptação para o cinema é um dos filmes mais populares de todos e até ganhou Oscar. Hoje em dia, essa saga já é bem popular, mas nem sempre foi assim. Por muito tempo Senhor dos Anéis já foi considerado cult, já que tudo nele era considerado não-popular. Três livros gigantescos que são altamente descritivos num mundo fantástico e altamente complexo onde existem línguas complexas e uma mitologia intensa. Não é o tipo de obra que você lê de bobeira para o tempo passar e demanda muita atenção e devoção. Justamente por isso poucas pessoas tinham a paciência ou o interesse de ao menos começar a jornada literária pela Terra Média.
Mas por que ele não é mais cult? Talvez ele ainda seja em parte, mas, assim que a obra foi adaptada para o cinema, houve uma facilitação para todo o tipo de pessoa apreciar essa história. Agora é muito mais fácil encontrar alguém que entenda as referências ou os personagens, deixando de ser algo exclusivo a um clube. Isso é ruim? Não, claro que não. Quando a cultura está se espalhando jamais será algo ruim. A cultura foi feita para ser compartilhada, e ela só existe como tal quando está em movimento.
Então algo Cult é necessariamente não-popular? Mais ou menos. Na verdade isso é um tanto relativo. Dependendo do grupo em que você está inserido, algo pode ser facilmente popular enquanto para o resto do mundo é algo completamente desconhecido. Exemplo: todos os fãs de ficção cientifica têm o mínimo de conhecimento sobre Star Trek, mas no “mundo real” um monte de gente só conhece de nome, não tendo a mínima ideia do que Star Trek realmente significa. Isso significa que todo o fã de ficção cientifica gosta de Star Trek? Não! Mas ele ao menos sabe sobre do que se trata de modo um pouco mais à fundo do que um leigo completo.
No cinema, isso ocorre com mais facilidade. Diferente de franquias que vão cada vez mais gerando produtos, que de certa forma nunca acabam (como o próprio Star Trek), muitos filmes nascem e morrem no anonimato. Entretanto, os amantes da sétima arte acabam resgatando-os do cemitério de filmes. Geralmente o filme que acaba gerando esse movimento é fora de circuito e não muito popular. Isso ocorre independentemente do gênero de filme, e por motivos diferentes.
Cult não é o gênero de filme como comédia, drama, ação e outros. Cult é um adjetivo que pode ser empregado a qualquer tipo de filme. Muitos filmes são cults, ou melhor, se tornam cults por motivos diferentes. Um movimento clássico é resgatar um filme que foi um fracasso em seu lançamento, como foi o caso de Blade Runner, cuja estréia foi um fracasso de público e crítica, mas, com o passar do tempo, foi sendo resgatado pelos fãs de cinema e ficção cientifica, e hoje é tido como uma obra prima por esses grupos. Agora que o filme receberá uma continuação, é muito provável que ele gradativamente vá perdendo esse ar Cult e vire uma obra popular.
Outro movimento é do filme tido como ruim, mas que é visto de “forma irônica”, algo que é típico da cultura hipster. Estamos repletos de exemplos desse tipo, como Vingador Tóxico, O ataque da mulher de 15 metros ou Plano 9 do Espaço Sideral. O grande barato dessas obras é justamente elas serem meio toscas, ganhando um tom cômico não proposital e um charme. Muitos filmes de terror e ficção cientifica dos anos 50 caem nesse estilo. Os anos 80 também estão cheios de exemplos desse tipo, como Evil Dead e filmes do Van Damme.
Tem como um filme nascer Cult? Isso é algo complicado. Cult é como um apelido: não adianta você mesmo tentar se auto apelidar, pois assim ninguém te chamará por esse apelido. O público amante de cinema tem que abraçar o filme e defendê-lo mesmo que ele não seja totalmente popular. Alguns diretores são naturalmente cults, pois possuem um estilo que de certa forma é feito de um amante de cinema para outro, não se preocupando com o “grande público”. Was Anderson é um ótimo exemplo disso. Mesmo tendo ganhando um Oscar, ele ainda é um diretor que só é conhecido por quem realmente é muito interessado por cinema. Tarantino era esse tipo de diretor até que foi crescendo até romper essa barreira Cult e se tornar realmente popular.
Quando vemos entrevistas de grandes diretores é muito comum que eles citem obras que adoram e os inspiraram, e muitas delas são absolutamente desconhecidas. Esses filmes que só são amados por quem é do meio são totalmente cults, e secretamente são responsáveis por muitos filmes que são absurdamente populares. A maioria das obras que inspiraram Star Wars são bastante desconhecidas do grande público, ou você vê todo mundo falando sobre Kurosawa, Flash Gordon ou Metropolis?
Por outro lado, é muito nocivo quando esse grupo que cultua um filme Cult luta contra a sua popularização, pois justamente isso faria com que ele deixasse de ser especial. Essa proteção que a cultura hipster tem de seus objetos culturais é péssima, pois não deixa a cultura fluir. Esse sentimento vem de um protecionismo como se aquela obra fosse propriedade. “É o meu filme”, “Minha banda” e por aí vai. Às vezes é porquê a obra tem um significado profundo na vida de alguém, mas muitas vezes é por elitismo. O termo Cult tem esse lado negativo, da elite intelectual que tenta separar o popular dessa bolha social que muitas vezes é a acadêmica.
Ser Cult é algo bom? Não necessariamente, mas pode ser muito positivo como um movimento de resgatar obras que já estavam esquecidas e dar-lhes uma sobrevida. O ideal é que toda obra em algum momento deixe de ser Cult para que ela se torne verdadeiramente popular, pois, quanto mais pessoas estiverem absorvendo aquela cultura, melhor. Outras obras nunca romperam essa barreira, mas é melhor do que nada, já que as opções seriam ou ser cultuada por um nicho ou o esquecimento completo. De modo geral, o grupo que pode tornar um filme Cult são os críticos de cinema, um grupo que por vezes é muito odiado, mas que é responsável por levantar a bandeira de um filme que o público geral iria simplesmente ignorar. É a galera que grita “Ei! Isso aqui é bom, vocês deveriam dar uma olhada”. O universo Cult é uma ótima pedida para quem deseja sair do comum e expandir os horizontes. Eles são necessários para às vezes fazer os filmes populares mudarem sua linguagem, temas e estilos fazendo toda a cultura andar. São aqueles heróis anônimos que fazem a arte evoluir.