Existiu uma época em que as histórias em quadrinhos de terror viveram uma era de ouro. Na década de 60 elas eram o que havia de mais ousado e contestador no mundo dos quadrinhos. Enquanto a DC consolidava o mundo dos super heróis no imaginário popular e a Marvel quebrando os primeiros paradigmas deste mundo, a Warren Publishing estava desafiando o código de quadrinhos que censurava toda essa mídia. Muitos podem não saber, mas Frederic Wertham foi um psiquiatra que criou uma verdadeira cruzada contra o mundo dos quadrinhos, pois acreditava que eles eram os responsáveis por deturpar a mente de todos os jovens dos Estados Unidos. Seu livro “A Sedução dos Inocentes”, publicado em 1954, foi um golpe quase fatal para essa indústria que teve que se infantilizar para não ser completamente proibida. Assim nasceu o código dos quadrinhos. Neste código todo o tipo de coisa que você possa imaginar era proibida, o que impossibilitaria totalmente a existência de qualquer quadrinho próximo da temática de terror. Mas então como elas persistiram?
A grande sacada dos editores da época foi ampliar o tamanho das páginas e o número delas por edição, para que elas saíssem da classificação de quadrinhos para cair na definição de revista. Aqui no Brasil, às vezes acabamos tratando revista e quadrinhos como sinônimos, mas lá nos Estados Unidos isso é uma diferença clara. Isso permitiu uma proliferação deste universo de publicações e lá nasceu a revista Eerie (dentro da Warren Publishing) que aqui no Brasil recebeu o nome de Cripta. Essa publicação foi altamente relevante, junto a sua irmã Creepy, para diversas mentes criativas como Steven Spielberg, Guillermo Del Toro, Tim Burton, Stephen King e muitos outros. Como se isso não fosse suficiente trabalharam nesse título diversos ícones dos quadrinhos. Falarei agora de cada um dos quatros volumes, publicados pela editora Mythos, dissecando seus pontos fortes, fracos, e quais os nomes relevantes de cada edição.
Volume 1
Archie Goodwin domina quase todos os roteiros desta edição. Enquanto isso, nos desenhos, temos nomes de peso como Reed Crandall, Angelo Torres, Alex Toth (criador de diversos desenhos de heróis da Hanna Barbera), Joe Orlando, All Williamsom, e o lendário Steve Ditko. Já nessa edição você percebe o estilo deste título. Histórias curtas, sempre com uma reviravolta na última página (algumas geniais e outras apenas legais) com artes que vão fazer seu queixo cair no chão. Dá vontade de arrancar algumas páginas e enquadrar e pendurar na parede. As temáticas dessa edição são as mais clássicas possíveis. Frankenstein, múmias, magos necromantes, vampiros e selvas inexploradas e absurdamente mortais. Para os amantes dos filmes de terror dos anos 30 esse volume é uma dádiva feita em papel.
Volume 2
Ainda temos uma predominância dos ótimos roteiros de Archie Goodwin. Os desenhos têm a entrada de alguns outros nomes importantes para o meio, como Eugene Colan, Dan Adkins, Jerry Grandenetti, John Severin, e o revolucionário Neal Adams. A temática por vezes volta para os clássicos, mas temos diversas histórias muito mais criativas. A pegada desse volume se aproxima muito mais da incrível série “Além da Imaginação”. Em minha opinião esta é o melhor dos quatros volumes, pois mistura vampiros, lobisomens e Frankenstein, mas com diversos roteiros altamente inventivos, o tipo de coisa que você vai ler e vai te marcar. Histórias que entram para seu catálogo de referências de histórias de terror e fantasia. Dimensões alternativas, viagem no tempo, viagem ao mundo dos sonhos e todo o tipo de coisa que trabalha no limite da imaginação (às vezes literalmente dependendo da história).
Volume 3
Já no inicio dessa edição temos uma história altamente curiosa e incrível. Uma adaptação do icônico filme “A Múmia” (tenho um texto inteiro sobre esse filme, é só clicar aqui). Isso pode não parecer nada demais, mas tal história é roteirizada e desenhada por Wallace Wood, um dos grandes mestres dos quadrinhos. Responsável pelo uniforme vermelho do Demolidor e a sistematização acadêmica da arte de desenhar quadrinhos. Essa não é a única adaptação que temos nesse volume, Edgar Allan Poe é um dos nomes que é adaptado. “A Máscara da Morte Rubra” é desenhada brilhantemente por Tom Sutton. Como se isso não bastasse, temos adaptações de H.P Lovecraft como “O Dia de Pagamento”. Alguns dizem que esse foi o momento que a revista entrou em decadência, mas eu não consigo concordar com tal afirmativa. Até acho que o leitor pode começar a ficar um pouco incomodado com a fórmula de “reviravolta final”, que quase todas as histórias possuem, mas ainda assim algumas realmente são surpreendentes.
Volume 4
O volume que acaba se destacando mais em termos de temática. Aqui temos muito mais de ficções científicas e histórias um pouco mais longas. Temos o retorno de algumas adaptações como a versão original do primeiro capítulo do livro do Drácula, outros contos de Bram Stoker e mais Edgar Allan Poe (A queda da Casa Usher). Mas certamente a ficção cientifica ganha um grande espaço com seus cientistas loucos e previsões futurísticas macabras. Óbvio que existe algum espaço para o terror mais clássico, mas até ele está um pouco modificado pela febre da corrida espacial e da vida moderna.
Uma coleção sensacional que permite apreciar as mais incríveis artes e uma verdadeira viagem ao terror pop. O que está nessas páginas é um super concentrado de tudo que existe de mais clássico nesse universo. Impressionante como um número de páginas tão limitado pode conter narrativas tão inventivas e bem executadas como essa. Uma verdadeira aula para quem quer aprender a contar histórias e para quem é apaixonado por desenho. A única ressalva que faço é caso você não goste de quadrinhos muito antigos ou de histórias de terror clássico. Se monstros não enchem seus olhos, e você é mais chegado ao terror moderno de psicopatas e tortura, talvez esse não seja o material ideal para você. Mas qualquer um que ame terror, história dos quadrinhos, um bom desenho e inventividade, a Cripta é uma pedida sem erro.
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