aw é um filme de produção francesa que chegou ao catálogo da Netflix após fazer muito barulho no último Festival de Toronto, onde ficou conhecido como o filme que fez as pessoas desmaiarem em sua apresentação. E nada melhor que esse slogan para estampar todos os anúncios deste filme dirigido pela estreante Julia Ducournau que, apesar de conseguir cenas realmente impactantes, é um filme que não é só sobre isso.
Justine (Garance Marillier), uma jovem vegetariana que acabara de entrar na faculdade de veterinária, é obrigada pelos veteranos a comer um pedaço cru de fígado de coelho, um grande choque pessoal para ela, já que ela se recusa a engolir qualquer carne. Quando isso ocorre, porém, algo desperta na menina e logo ela se vê viciada no ato de comer esse tipo de alimento, esteja ele cru ou não e eventualmente seu olhar se vira para a carne humana.
Raw não é apenas um filme gore cheio de cenas nojentas, a produção traz situações alegóricas sobre os relacionamentos e a personalidade de Justine. Uma menina recatada e obediente que se vê em um ambiente onde seus valores morais e suas regras não têm valor. Quando ela sugere aos seus companheiros, futuros veterinários, que uma conscientização e humanização dos animais era algo que deveria nortear a profissão e percebe que não é assim que a banda toca, ou quando o professor não a valoriza por ser a melhor aluna da classe, são questões que afloram nela a dúvida se ela é o que ela quer ser ou o que sua família imaginou pra ela. E essa confrontação final vem quando a própria irmã (que já fazia o mesmo curso na faculdade) obriga Justine a comer o seu primeiro pedaço de carne.
A partir destas quebras de paradigmas a personagem tem sua virada. E Justine se joga contra todas as suas convicções: Estudo, Pudismo, Família e Vegetarianismo. E, aos poucos, a protagonista liberta-se de todas as suas travas. Vemos-na descontrolada na balada, brigando com sua irmã e mãe, aumentando seu “apetite” sexual e, extrapolando, caindo na tentação nada vegetariana de comer a carne humana. Raw é muito mais sobre o choque de entrar em uma fase ou etapa diferente em sua vida e se libertar do que necessariamente sobre o canibalismo, apesar de presenciarmos cenas bem bizarras.
O longa tem um ritmo interessante, uma narrativa elegante, e, quando conseguimos visualizar certas alegorias, bons argumentos. A irmã de Justine, Alexia (Ella Rumpf), é um bom elemento para contrapor as experiências que temos com a protagonista, que chegam aos instintos mais primais possíveis. No terceiro ato, porém, a trama peca em transformar o filme em quase uma fantasia moderna, prejudicando todo o “realismo” do ambiente em volta da trama que mantinha o espectador com os pés no chão e imersos na proposta. Prejudica, mas não apaga o brilho de Raw.
Um filme que apresenta muito mais do que cenas gore ou grotescas. Trazendo uma boa reflexão familiar e sobre adentrar em um mundo onde você terá que crescer e romper com suas convicções sozinho. Uma boa pedida para ver um filme fora da caixinha. Porém, assista de estômago vazio!