Esta não é uma pergunta simples, ou melhor, que seja de uma resposta simples. Mas esperamos vê-la respondida em Blade Runner 2049, sequência do clássico cult que estreará na próxima quinta-feira (05/10). Inspirado vagamente na obra de Philip K. Dick, “Androides Sonham com Ovelhas Elétricas?”, Blade Runner é considerado por muitos o maior filme de ficção científica dos últimos 50 anos, ou, quem sabe, de toda a história do cinema. E não é por menos, após 35 anos de sua estreia nos cinemas americanos, o filme, dirigido pelo icônico Ridley Scott, até hoje movimenta toda uma indústria em volta de seu nome. Tanto pela atual sequência prestes a estrear, quanto por toda a curiosidade levantada pelo filme, que rendeu diversas versões com leves modificações (ao todo tiveram 13 finais diferentes), diversos documentários sobre a produção do longa, e as constantes publicações e vendas do livro que lhe serviu de base.
Mas como uma obra conseguiu se manter viva assim por tanto tempo? São poucas as obras que realmente conseguem tal feito, e é difícil definir o motivo para tal. Blade Runner é uma delas. E seu motivo para tal feito é, até, identificável de forma até simples. E podemos dividir esta resposta em dois pontos distintos, que se comunicam intrinsecamente dentro da obra.
Primeiro ponto, o raciocínio que o filme faz em cima da sociedade. Blade Runner, como num exercício de extrapolar situações, apresenta uma sociedade futurista em que alguns processos do desenvolvimento sócio-econômico foram ao limite do caos. Os que mais chamam a atenção são: a super globalização, a grande mídia e as grandes corporações. Três esferas diferentes, que em 1982 ainda engatinhavam, mas com o passar dos anos foi realmente dominando o mundo real, como se Blade Runner fizesse um serviço de premonição. Lógico que ainda não chegamos exatamente naquele estágio do filme (até porque ainda não começamos a habitar outros planetas ou a criar carros voadores), mas esse futuro distópico é bem próximo da nossa realidade no sentido da própria degradação social.
Grandes propagandas dizendo o que você deve vestir, gostar e fazer; grandes corporações que dominam diversos poderes públicos e individuais e se utilizam das tais propagandas para exercer este seu domínio; um mundo sem fronteiras que, por mais bonito que possa parecer à primeira vista, onde há diversas nacionalidades no mesmo ambiente, é um mundo que apresenta barreiras muito mais claras e espessas. Principalmente a barreira da classe social. Isso é pincelado de leve no filme, mas é melhor trabalhado no livro. Onde animais de estimação dão status social (já que a maioria deles já foram extintos). Os homens criam réplicas eletrônicas de animais para somente fingir possuir algum, e, por consequência, fingir ou até ganhar algum status social.
O segundo ponto que listarei mostra-se ainda mais importante para alçar Blade Runner no imaginário do público por décadas. Uma questão mais filosófica. Sobre humanidade e consciência. Neste futuro distópico do filme existem os replicantes, seres engenhados geneticamente, similares aos humanos. Eles são criados e usados nas mais nocivas atividades, na Terra e, principalmente fora dela. A empresa responsável se chama Tyrell Corporation. Após um motim, os replicantes são banidos na Terra, passando a ser usados para trabalhos perigosos, servis e de prazer nas colônias extraterrenas. E é daí que se vem a famosa e vã filosofia do filme. O que torna os replicantes seres menores que os humanos?
Ok, eles são as criaturas e os humanos os criadores. Mas, a partir do momento em que as criaturas pensam por si mesmas e criam consciência, essa relação continua igual? No filme, aparentemente sim. Os replicantes têm prazo de validade de 4 anos imposta pela fábrica, garantindo assim que com o passar do tempo não exista um número maior deles do que de humanos, como uma forma de controle e de submissão dos androides à raça superior. Mas a discussão maior não é essa, e sim o que diferencia um ser humano do replicante, já que ambos são seres conscientes? Isso é melhor debatido na personagem Rachael e no protagonista Rick Deckard.
Após quase um dia inteiro submetendo-se ao teste Voight-Kampff, Rachael descobre que é uma replicante. A primeira de sua espécie que não sabia que era uma, além de não possuir o prazo de 4 anos (segundo algumas teorias) como os outros do modelo Nexus 6. Ela pensa, raciocina, interage e sente como o ser humano, as únicas diferenças é que ela foi moldada geneticamente, e suas memórias foram implantadas, porém são reais para ela. Isso faz dela um ser inferior?
Ela mesmo se desqualifica em certo momento, ao saber de sua natureza, porém também há nela, e em qualquer outro replicante, o sentimento mais natural de qualquer ser: sobrevivência. Olha só, aqui também reside uma discussão com a força capaz de sobreviver por todo esse tempo. Uma questão que é inerente não só à inteligencia artificial, como também à própria humanidade. Os replicantes possuem uma consciência ainda mais natural do que uma simples inteligência artificial. Uma consciência evolutiva com a aprendizagem e orgânica com a própria vivência deste ser. O que deixa a relação humano-replicante mais próxima da escravidão do que qualquer outra coisa. Porém ainda não chegamos na maior de todas as questões do filme, que é sobre Deckard, o caçador de androides.
Deckard tem o trabalho de “aposentar” (eufemismo para exterminar) os replicantes refugiados e foragidos no planeta Terra. Um Blade Runner. Porém ao se envolver com Rachael, Deckard passa a enxerga-los além do que apenas um alvo ou criaturas inferiores (pelo menos a Rachael rs!). E, nas entrelinhas do roteiro, ele vai além nestas questões: O que o diferencia dos replicantes, se todas as capacidades físicas e mentais deles são iguais ou melhores, além de serem claramente evolutivos (como o próprio Roy Batty)? As memórias? Talvez. E é aqui que está o ponto deste texto, já que notamos que nas memórias de Deckard há certas similaridades com as dos próprios androides. Será Deckard um replicante criado para cumprir seu objetivo de matar outros replicantes, ou um ser humano que faz o sua “obrigação” de matar os replicantes? (olha a ironia no ar!).
Com as diversas versões do filme ao longo dos anos (“Uncut”, “Directors Cut´s”, etc.) tudo isso foi ficando cada vez mais confuso, mas não menos curioso. Ridley Scott já sugeriu superficialmente, em sua versão final, que Deckard seria um replicante, mas isso também ficou inconclusivo (mesmo com origamis de unicórnio caídos no chão). O mais interessante está nessa discussão sem fim, que mantém a obra de certa forma inacabada, porém viva nas mentes dos espectadores até os dias de hoje, 35 anos depois. O que aumenta ainda mais a responsabilidade de Blade Runner 2049, que, talvez, tenha a pretensão de responder essa questão. O que pode matar essa vida eterna da obra, ou potencializa-la ainda mais. Um grande encargo para ser realizado pela direção de Denis Villeneuve (A Chegada), que tentará não deixar toda essa discussão “morrer como lágrimas na chuva”.
E para você, Rick Deckard é um replicante ou não? Responda nos comentários antes que o novo filme responda por você.