Para o bem ou para o mal, o universo da cultura pop está sempre em constante mudança. Por conta disso, acaba sendo parte natural desse processo o surgimento de algumas polêmicas. Isso ocorre por vários motivos como, por exemplo, a dificuldade do público em aceitar algo diferente do tradicional. No caso dos leitores de quadrinhos, é claro que essa resistência não se restringe apenas a um simples conservadorismo. Existe um receio do qual considero justificável de grandes editoras como a Marvel Comics estarem inovando em seus títulos mais por motivos comerciais do que para atender uma antiga demanda: mais diversidade. Fica aquela sensação incomoda quando você percebe que algo tão bom está sendo colocado mais como uma possível “modinha” do que uma inovação necessária.
Antes de comentar os acontecimentos recentes relacionados a esse assunto, é importante observar o passado. Afinal de contas, todo o histórico da Marvel precisa ser trazido à tona. Um exemplo disso está nos quadrinhos do universo mutante da editora. Desde meados da década de 60, quando os X-Mens foram criados, já era perceptível um potencial para discutir temas relevantes. Odiados e temidos pela humanidade que juraram proteger, o grupo de heróis sofria um forte preconceito. Tudo isso claramente inspirado na luta por direitos civis e em nomes como Martin Luther King e Malcom X. Aliás, se olharmos o histórico dos mutantes encontraremos diversos exemplos de diversidade, pois além de personagens de nacionalidades diferentes, há referência a questões como racismo e até mesmo homofobia.
Obviamente, os discípulos do Prof. Xavier não são os únicos a representar uma parte significativa do seu público. Pegando como exemplos apenas Luke Cage e Pantera Negra, percebemos também a ousadia da editora em criar personagens negros fortes em um país com o histórico grande de racismo. É de fundamental importância o empoderamento deste tipo de herói por conta do impacto que a nona arte tem no público. Se um leitor percebe que existe um personagem igual a ele, cria-se um sentimento de identificação muito forte. Também não podemos esquecer a forma como este produto de consumo em massa também serve como válvula de escape para a dura realidade para quem sofre com qualquer tipo de preconceito.
Outro ponto muito importante, que já foi abordado nesta coluna, é a questão da representatividade feminina. As histórias em quadrinhos de super-heróis sempre tiveram majoritariamente como público-alvo os meninos, o que contribui fortemente para aumentar o preconceito contra este tipo de arte. Afinal de contas, não é a toa que a ideia de que ler HQs é coisa de criança está tão arraigada na sociedade. No caso de personagens femininas, sempre existiram poucas que eram devidamente tratadas de forma relevante. Isso sem falar no problema do sexismo, algo que ao meu ver é totalmente desrespeitoso com as mulheres. Felizmente, muitos desses problemas estão no passado. Obviamente, nada é perfeito mas sem sombra de dúvidas muita coisa mudou até chegar nos dias atuais.
Falando em atualidades, não podemos esquecer da recente polêmica envolvendo a crise editorial da Marvel. Tudo teve inicio com a queda de vendas da editora, algo preocupante para uma empresa que vinha liderando nos rankings há tantos anos. Por este motivo, foi necessária uma avaliação para encontrar os culpados. Segundo David Gabriel, que é vice-presidente sênior de vendas e marketing, os revendedores atribuem à diversificação étnica dos super-heróis da casa como um dos problemas. Isso tem ocorrido muito recentemente por conta das mudanças de personagens icônicos como uma versão feminina do Thor ou um novo Capitão América negro. Nesse sentido, é importante destacar que se trata de uma questão muito mais complexa do que parece a primeira vista. Digo por experiência própria pois eu, assim como todo leitor, sei que qualquer mudança radical é traumática. Já vimos vilões no lugar de heróis (o inverso também), clones, mudanças de uniformes, mortes trágicas e ressurreições sem sentido. Isso apenas para citar alguns casos.
Enfim, não acredito que a simples mudança de manto seja necessariamente um problema. Enxergo isso como uma oportunidade de desenvolver ainda mais o conceito de personagens tão marcantes como Capitão América, Homem-Aranha, Hulk, Wolverine Homem de Ferro, Thor, entre outros menos conhecidos como Nova. O que incomoda é quando uma grande parcela dos leitores se sentem traídos por ver seus heróis de sempre substituídos por outros. É nesse momento em que se precisa dar um tempo e amadurecer as emoções. Em outras palavras, olhar o quadro todo e ver que o Peter Parker sempre estará balançando suas teias em Nova York mesmo que não seja mais o cara que tem dificuldade de pagar as contas e ainda mora com a tia com problemas de saúde.
Olhar Literário é uma coluna escrita por Marcus Alencar. Marcus é redator no site Leituraverso e um dos hosts do podcast Leituracast.