Muito da popularidade do escalador de paredes criado por Stan Lee e Steve Ditko estava na mistura de sua jovialidade e bom humor com seu caráter trágico. Assim como muitos personagens, o quê o motivou a ter uma vida heroica é o trauma gerado por uma morte de um ente querido. Muitos dos estudos de psicologia dizem que a psiquê humana se desenvolve e amadurece através de traumas ao longo da infância para que o indivíduo possa lidar com o mundo e suas intemperes. Entretanto se houver uma quantidade excessiva de traumas a pessoa pode enlouquecer e quebrar a psiquê, impossibilitando o indivíduo de viver em sociedade e desenvolver relações humanas. Alan Moore foi um dos primeiros autores a levantar o questionamento se a persona de super herói seria justamente uma forma de expressão desta psiquê quebrada devido a um trauma forte demais, em sua obra “Piada Mortal” que já abordamos aqui no Tarjacast (e que você pode conferir aqui). Vamos analisar aqui os principais traumas do Homem Aranha, passeando pela sua história e assim entendermos a construção da personalidade do “amigão da vizinhança”.
Morte do Tio Ben
Aqui é onde nasce a persona Homem Aranha no seu sentido heroico. Peter Parker já havia conhecido seus poderes através da picada de uma aranha radioativa e havia tentado ganhar dinheiro em ringues de luta livre amadora. O uniforme que ele usa para combater o crime era o mesmo que ele utilizava nas apresentações, assim como o nome “Homem Aranha”. Somente após a morte do Tio Ben que o sentimento de culpa aparece e surge a necessidade de se tornar um herói para compensar a “falha” de não ter impedido esse evento.
Morte do Capitão Stacy
Depois de alguns anos de publicação da revista própria do Homem Aranha, sua vida dupla deu uma certa estabilizada. Mesmo com as grandes dificuldades para equilibrar o lado estudante com o lado super herói, a vida estava ok. Namorava a belíssima e inteligente Gewn Stacy, cuidava da tia May, ganhava uma certa quantia vendendo fotos para o Clarim Diário e tudo mais. Capitão Stacy, o pai de Gewn, era uma figura constante nas histórias por trabalhar na polícia. Era um personagem secundário cativante e muitas vezes funcionando como a figura sábia que aconselhava o herói. Sua morte se deu devido a um desabamento causado por Dr. Octopus e a mídia culpa o aracnídeo. Em seus últimos momentos ele fala com o herói e de certa forma revela que sempre soube que o Homem Aranha era Peter Parker. Isso abala o personagem profundamente, pois, mais uma vez, ele se sente responsável pela morte de alguém próximo.
Morte de Gewn Stacy
Essa foi uma HQ que mudou o status da indústria de revistas mensais. Considerada uma das melhores histórias do personagem e uma das mais importantes para entender a sua cronologia. Com o ataque de seu pior inimigo, Duende Verde rapta Stacy e a joga de uma ponte. Não se sabe ao certo se ela já despencou morta ou se foi a tentativa do Aranha de salvá-la que rompeu sua coluna de forma fatal. Aqui, talvez pela primeira vez, vemos o herói realmente descontrolado a ponto de tentar matar, por pura vingança, o Duende. Nas histórias seguintes uma depressão toma conta do herói que fica bem mais soturno e melancólico. Coisa que só mudou conforme Mary Jane foi adentrando em sua vida e tomando espaço.
Ser enterrado vivo por dias
A Última Caçada de Kraven também entra no panteão de melhores histórias do Homem Aranha. O vilão caçador decide que capturar o Aranha seria sua última grande obra. Ele consegue capturar o herói e enterrá-lo vivo, sedado, e assumiu sua entidade nas ruas de Nova York. Depois de alguns dias Peter acorda e cava sua saída para fora da cova. Nesta HQ temos um mergulho na mente do herói onde vemos seus medos mais primais. Um trauma intenso de experiência de morte que deixou marcas na personalidade de Peter. Até hoje esse dia é revivido em outras histórias mostrando que esse evento foi divisor de águas na psiquê do personagem.
As mortes da tia May
Agora começa as primeiras galhofas. Muitas vezes quando um personagem que tem uma publicação regular as histórias acabam caindo num marasmo. Os roteiristas acabam criando grandes eventos, que não levam a lugar nenhum, só para sacudir a vida do personagem e as vendas de revistas. Nesse intuito que matam a tia May pela primeira vez, numa tentativa de emular o trauma do tio Ben mais uma vez. A velhinha morreu três vezes até agora. A primeira foi causada pelo vilão Mysterio em conluio com o ladrão que havia matado o tio Ben (oi???), na tentativa de achar uma fortuna que estaria na casa dela. Por algumas edições ela foi dada como morta até este bandido revelar que tudo não se passou de uma ilusão de Mysterio, afinal é isso que ele faz. A segunda morte foi bem mais honesta onde a senhora simplesmente morre de velhice e se despede do sobrinho e entes queridos, revelando que sempre soube da vida dupla de Peter. Uma despedida da personagem de forma bonita e simples. Mas óbvio que estragaram tudo na maldita saga do clone onde tudo virou um grande caos e falaram que essa tia que morreu era uma atriz disfarçada de tia May. Falando nisso…
Ser clonado
Assim que Peter descobre que existe um clone seu por aí, a sua vida vira uma bagunça. Ele não tem mais certeza se ele é o original ou só mais uma cópia. Uma premissa interessante caso ela não tivesse se alongado por um ano e tido um final bizarro com uma cacetada de clones do herói. A saga do clone é tido como uma das piores do personagem, não pelos eventos, mas pela confusão feita em todos os personagens, deixando o leitor sem certeza de nada. Conta como trauma, pois sofrer uma perda de identidade individual desta forma é algo intenso.
Abrir mão de seu casamento e de sua filha
Talvez uma história pior do que a saga do clone. Após os eventos de Guerra Civil todos sabiam a verdadeira identidade de Parker, incluindo seus piores vilões. Foi assim que tia May morreu pela terceira vez, pois O Rei do Crime contratou um atirador para dar cabo dela, como forma de se vingar das diversas vezes que o Aranha frustrou seus planos. Sem aceitar mais uma morte nas suas costas o herói decide fazer um pacto com Mefisto, que funciona como uma espécie de Diabo do universo Marvel. E, para reviver May, seria preciso que o casamento de Peter e Mary Jane fosse apagado e tudo o quê foi gerado dele.
Ter seu corpo dominado pelo Dr Octopus.
Uma das sagas mais recentes do aracnídeo foi “Homem Aranha Superior”, onde Octopus consegue passar sua mente para o corpo de Peter e a mente do mesmo para a casca moribunda que havia se tornado o corpo do vilão. Supostamente a mente do Peter morre dentro do corpo do doutor e assim começa o reinado deste novo Homem Aranha com a mente de Octopus. As primeiras histórias são razoáveis, mas essa proposta se estendeu demais e a vida pessoal do personagem ficou completamente absurda. Para arrumar a situação é dito que a mente de Peter estava, na verdade, preso no fundo do seu próprio subconsciente. Gradativamente a personalidade do herói vai tomando o próprio corpo novamente e a “essência” de Octopus se perde no vazio da mente de Peter (eu realmente não sei como explicar isso). Acho que neste momento, após todos esses traumas, nada mais abala.
Homem Aranha é sem duvida o maior herói da editora Marvel e certamente um dos maiores do mundo. Justamente por ter esse peso muitos roteiristas decidem apelar para uma revolução no intuito de ter seu nome marcado na história, mas a realidade é que nem todos tem essa capacidade. Ao invés da maioria tentar trabalhar no simples do dia a dia do herói, muitos querem reinventar a roda inteira.