A primeira série brasileira produzida pela Netflix enfim chega a sua conclusão. Depois de quatro temporadas de evolução e luta para escapar do preconceito contra produções nacionais, 3% encerra sua trama distópica da melhor maneira que esse gênero permite. E por mais que a obra retrate um futuro desconhecido, percebemos que ele sempre teve muitos elementos da atualidade.
Depois de diversas conspirações e sabotagens entre o Continente e o Maralto, o confronto direto entre os dois lados se torna evidente e inevitável. Enquanto o Processo 108 está prestes a começar sob uma nova liderança — mais agressiva e radical — um grupo de membros da Concha é convidado para uma visita diplomática ao Maralto. Porém o que deveria selar um acordo de paz pode dar início ao embate que determinará o lado vencedor.
Uma das preocupações quanto ao desenrolar da série era que ela recaísse nas mesmas fórmulas de sempre para contar a trajetória dos personagens. Contudo, ao longo das temporadas, vimos que o roteiro se reinventava e acrescentava novos ingredientes para prosseguir com a narrativa. O começo de tudo foi o ideal da meritocracia, onde o sucesso de cada indivíduo dependia exclusivamente da força de vontade dele. Isso logo foi desmentido e vimos que não era algo tão simples de se pôr em prática devido a desigualdade e parcialidade das lideranças. Agora, na temporada final, vemos que essa parcialidade se tornou abuso de poder e tirania. A tensão ocasionada por isso cria um clima de urgência onde ambos os lados partem para o tudo ou nada.
E não é somente o conflito principal que se encaminha para o desfecho. A jornada pessoal de cada um dos personagens também é concluída mostrando o grau de evolução de cada um. Joana (Vaneza Oliveira) rouba a cena mais uma vez com a sua determinação e personalidade forte; já Rafael (Rodolfo Valente) parece se encontrar finalmente. Quanto a Xavier, ele enfim deixa de desempenhar o papel de alívio cômico e se torna uma figura relevante para os acontecimentos. Mas um dos que mais se destaca é Marco (Rafael Lozano). Ele é o personagem que teve mais altos e baixos durante todo o programa e o encerramento do seu arco rende uma das cenas mais marcantes da série.
Esse trabalho de desenvolvimento dos personagens centrais não estaria completo sem a Michele (Bianca Comparato). Mesmo tendo menos tempo de cena na última temporada, sua liderança é essencial para motivar seus companheiros. Seu irmão, André (Bruno Fagundes) também não fica para trás, tendo bem mais destaque como antagonista. A batalha pessoal entre os dois irmãos acrescenta ainda mais carga dramática à trama e termina de forma justa para ambos.
Apesar do futuro distópico que vemos em 3%, a obra nos mostra muitas coisas com as quais precisamos lidar hoje em dia: atos de extremismo, partidarismo e falta de empatia pelo próximo. Esses elementos estão presentes durante toda a produção, mas talvez devido ao momento pelo qual estamos passando agora, isso tudo fica mais evidente.
Essa semelhança com a realidade se mantém até o último ato. Em muitos momentos nos questionamos se é possível ter fé nas pessoas e esperança de que as coisas se ajeitarão. Isso também acontece na série. Nesse caso, os criadores optaram por encerrar passando uma mensagem de otimismo, por mais que não apareça o que acontece depois. Por um lado, não explorar mais a fundo as implicações do desfecho faz falta, mas também preserva a eterna dúvida sobre como será o amanhã.
3% tem muitos méritos mesmo negando a meritocracia. O roteiro de todo o programa se manteve coerente com aquilo que estava propondo aos espectadores e conseguiu dar respostas satisfatórias para todos os dilemas que levantou e fins dignos a seus principais personagens. Isso é motivo mais do que suficiente para dar uma chance a essa produção inteiramente nacional.
Assista ao trailer da quarta temporada de 3%:
Leia as críticas sem spoilers das temporadas anteriores: