No ano passado (2016) tivemos a refilmagem do filme Ben-Hur, que por algum tempo foi o maior ganhador de Oscar (onze estatuetas) até ser igualado por Senhor dos Anéis e Titanic. Mas o que este filme tem de tão grandioso para receber tantas premiações? Este é o objetivo deste texto. Explicar um pouco do porquê Ben- Hur ser um filme tão esplêndido em diversos sentidos. De fato, até a refilmagem, o original estava um tanto afastado da mente do grande público e só era lembrado pelos grandes amantes do cinema. Sem dúvida nenhuma um filme difícil de apreciar, já que possui três horas e meia (!) de duração.
Sinopse: Ben-Hur é um comerciante judeu próspero na região da Judeia durante a ocupação romana na região. Em um determinado dia, um amigo de infância retorna como um importante general romano que é responsável por controlar os rebeldes judeus que desejam retomar seus territórios. Os dois melhores amigos brigam, pois um defende o Império e o outro defende a legitimidade de seu povo. Durante uma procissão romana Ben-Hur acidentalmente deixa algumas telhas caírem na cabeça de um político importante e acaba sendo acusado de assassinato deliberado e este amigo de infância o usa de exemplo para o resto dos judeus, o aprisionando e escravizando. Assim começa a jornada de Ben-Hur para recuperar sua vida e saborear a vingança contra seu ex-amigo.
Antes de voltarmos a falar do filme precisamos fazer uma pausa para explicar o contexto em que foi feito. Em 1959 o mundo já tinha uma boa noção do horror que havia sido o extermínio do povo judeu durante o regime Nazista. De certa forma isso ainda estava sendo digerido pela população como um todo. O filme Ben-Hur faz parte desse processo de reflexão sobre o que ocorreu na Segunda Guerra Mundial. O período em que o filme se passa é justamente um dos grandes embates entre romanos e judeus, que mais uma vez tinham suas terras invadidas. O filme faz questão de colocar um protagonista judeu como herói que luta pelo seu povo, sua família e sua nação (mesmo que esse conceito seja completamente anacrônico). Ben-Hur surge para mostrar que a perseguição ao povo judeu sempre existiu e o que aconteceu na Alemanha foi uma nova versão da velha perseguição. Naquele tempo a palavra empoderamento não era difundida, mas de certa forma podemos dizer que ele funciona nesse sentido, mesmo com a figura de Jesus recebendo tanta importância que apaga o judaísmo no filme.
Contudo, esse filme não é meramente uma exaltação ao povo judeu ou sua religião, já que a história de Ben cruza diversas vezes com a figura de Cristo, que neste período ele estava andando pela Judeia espalhando sua palavra. Devo dizer que não sou religioso, mas a forma como ele é representado neste filme é maravilhosa e tocante. Em nenhum momento vemos seu rosto ou ouvimos sua voz. Na visão do filme sua existência é claramente divina, optando pela visão clássica do filho de Deus. Suas participações são específicas, mas sempre modifica a vida do protagonista em sua longa jornada de retorno. Devo dizer também que o filme possui seus moralismos e, de certa forma, glorifica o cristianismo. O que coloca Ben- Hur como um novo católico, quebrando assim um pouco a ideia do judeu herói.
Roma é quase totalmente colocada como vilã da história, salvo por um personagem ou outro. Tudo isso é mostrado de forma muito simbólica. Ben usava cavalos brancos, enquanto o vilão usa cavalos negros. Os romanos usam chicotes o tempo todo, um dos símbolos mais universais de opressão. Ben utiliza, ao longo do filme, um anel geralmente usado por escravos. Até mesmo a figura de Cristo é altamente simbólica, já que ele é colocado mais como uma entidade do que como um ser humano, como dito anteriormente.
Outra coisa importante que precisa ser abordada: a produção do filme. Estamos falando de uma época onde efeitos especiais era coisa de ficção científica e a única coisa que possuíamos eram efeitos práticos. Neste filme temos cenários completamente fabulosos e épicos (assim como o roteiro). O exemplo máster, que até hoje é incrível de se ver, é a grande corrida de bigas. Aposto que você ficara embasbacado com a quantidade de figurantes utilizados nessa cena, como as brigas de bigas foram feitas e como aquele enorme estádio foi construído. Assista essa cena e tenha em mente o tempo todo que tudo que você esta vendo, realmente esta ali. Nada de computador ou tela verde. O único momento em que temos algum tipo de efeito é numa cena marítima, mas, ainda assim, são efeitos práticos à sua maneira. Talvez essa seja a coisa mais inacreditável do filme. Sabemos que os efeitos especiais permitem ver cenas que até então seriam impossíveis, mas ver um filme como este nos faz lembrar a beleza de locações reais e efeitos práticos.
Obviamente que nem tudo são flores e é necessário falar sobre Hugh Emrys Griffith. Este ator interpreta um personagem árabe que ajuda o protagonista em sua jornada, na verdade, ele é fundamental para ela. Seu personagem, Ilderim, é um rico comerciante apaixonado por corrida de cavalos. Hugh é um ator britânico branco, obviamente está pintado como se fosse um árabe. Temos diversos exemplos de atores brancos interpretando personagens de outras etnias e, enquanto esse texto está sendo escrito, vivemos uma grande polêmica envolvendo obras orientais sendo interpretada por brancos. O que agravava a situação deste filme é que Hugh ganhou um Oscar pelo seu personagem.
Hoje se discute muito a representatividade de diversas etnias no cinema e na TV e como a esmagadora maioria de personagens é branco. O que foi feito com este personagem é inaceitável para os padrões de hoje, mas naquele período era considerado normal. Pensando melhor esse é o grande defeito deste épico: os atores não parecem ser de suas respectivas etnias. Diversas pessoas de olhos claros e pele extremante brancas em pleno oriente fica muito irreal na tela. É difícil ter aquela sensação de “esquecer que esta vendo um filme”. Toda vez que aparece um personagem loiro de olhos azuis no meio da Judeia, ou uma pessoa pintada de marrom, lembramos que estamos vendo “apenas” um filme.
Outro problema que pode ser relatado é o exagero nas atuações. A década de 50, e as anteriores, foram muito marcadas por atuações exageradas. Os grandes atores vinham da tradição do teatro, que por natureza é mais intenso devido à necessidade de expandir a voz e ser visto pelos camarotes e fileiras mais afastadas. Muito deste estilo de atuação era transmitido para o cinema que foi gradativamente mudando, até chegar à década de 70 onde isto vai se diluindo. Neste filme é possível ver bastante deste estilo de atuação, mas nada que irá te incomodar, mas também não passará despercebido.
Tenho total consciência de que pouquíssimas pessoas terão paciência de aguentar três horas e meia de filme, mas acredito que vale a pena pois esta é uma história poderosa. Não só pela ótima representação de Jesus, mas pelo próprio Ben-Hur. É muito difícil não se conectar com seus objetivos, além de Messala ser um grande vilão da historia do cinema, que raramente é lembrando como deveria. Assim como nos “7 Samurais” (que falamos aqui), em determinado momento o filme para por uns cinco minutos para você fazer uma pausa. Isso era necessário nos cinemas para que o público fosse ao banheiro ou pegar algo para comer. Apesar dos problemas que apontei, este é um filme que precisa ser visto, não só por ser um clássico mais do que consagrado, mas por que ele conta uma boa história com uma direção incrível de William Wyler.