Biografia já é mais do que um subgênero dentro do cinema. Temos alguns clássicos que se propõem a contar a vida de pessoas extraordinárias, para o bem e para o mal, e o Brasil vem se mostrando com um talento para esse tipo de filme. Bruna Surfistinha, Chico Xavier, Dois filhos de Francisco e muitos outros (e com mais chegando esse ano). Agora chega aos cinemas Bingo, que apesar de usar outro nome, é claramente a história do primeiro ator que fez o icônico palhaço Bozo.
Augusto Mendes sempre amou os holofotes e não se contentava mais em viver fazendo pornô-chanchadas, por mais que elas tivessem certo sucesso. Após uma falha tentativa de ir para o mundo das novelas, ele acaba passando no teste para ser o palhaço Bingo, uma marca americana que faz muito sucesso nos Estados Unidos e está sendo replicada no Brasil. Ele começa a ter um enorme sucesso e com isso começam os problemas e desafios de conciliar o ego, a família, o programa e sua própria sanidade.
Para começar precisamos falar de Vladimir Brichta. Ele já tinha se provado um bom ator antes, mas agora seu nome chegou a um novo patamar. Ele não é só um excelente palhaço e nem apenas dá vida a um personagem fascinante, neste filme ele simplesmente definiu a essência de uma época. Cada fala é um golpe que faz rir e chocar ao mesmo tempo. Desde Tropa de Elite eu não via palavrões sendo usados com tanta criatividade e inteligência. Há muito tempo que não via uma atuação que me fizesse esquecer que estava vendo um filme. Para mim Bingo e Augusto são reais e estão por aí em algum lugar.
Obviamente que ele só teve a chance de dar vida a um personagem tão fascinante se não fosse o roteiro de Luiz Bolognesi, que já tem mais do que um nome nesse meio. Ele também escreveu os roteiros de obras como “Bicho de Sete Cabeças”, “Uma História de Amor e Fúria”, “As Melhores Coisas do Mundo” e outros trabalhos. As falas, situações e como ele conta essa história são simplesmente incríveis. Ainda bem que esse roteiro teve a sorte de encontrar atores bons o suficientes para dar vida a essa história absurdamente intensa. Não consigo pensar em um ator que não tenha feito um bom trabalho neste longa.
Agora vamos focar na direção de Daniel Rezende, que tem mais trabalhos como editor do que como diretor em si. Na verdade essa é sua primeira direção de cinema. Mas dê uma olhada nos filmes que ele trabalhou como editor e se impressione. Eu precisaria fazer um texto inteiro para falar da direção de Daniel, que é inteligentíssima (e talvez eu faça mesmo). Em resumo, o que eu posso dizer é: ele sabe perfeitamente aonde colocar uma câmera. Não falha uma. Sabe a hora de dar zoom, entortar o ângulo, luz impecável, onde a trilha sonora sobe e desce e tudo que é necessário. A história é tão envolvente e a direção tão bem alinhada com a história que é o tipo de filme que você esquece de tudo. Inclusive que está vendo um filme.
Essa é uma obra prima. Já é um pouco clichê mostrar a história de derrocada de um homem, mas esse filme faz isso num universo incrível e com eficiência absoluta. Os bastidores da TV brasileira é um terreno absurdamente fértil para todo o tipo de história fascinante. Bingo é um mergulho incrível neste universo que, de certa forma, ainda existe. Reconhecemos nomes, redes de TV, e até vemos replicados coisas que realmente aconteceram na televisão brasileira. Se você via o programa do Bozo essa vai ser uma viagem à sua infância, mas uma viagem com ácido e cocaína. Talvez um filme sobre bastidores perfeito. Queria eu ver uma série inteira, no melhor estilo Mad Men, só sobre esse período da história do Brasil.
Bingo é uma obra prima e, possivelmente, será o melhor filme nacional do ano. Mas me arrisco ir um pouco além. Talvez o melhor filme do ano, se não o melhor, estará na lista dos melhores. Aquele filme que tem que ser visto no cinema, em casa, comprar em Blu-ray e rever de tempos em tempos. Nada como ver a trindade funcionando num longa. Ator dando tudo de si, roteiro hipnotizante e direção precisa. Você vai rir (bastante), vai chorar, vai ficar tenso, vai torcer e todas as emoções que um filme pode causar. Uma obra prima polvilhada de cocaína e umedecida com uísque.