Como Nossos Pais é a produção mais recente da cineasta Laís Bodanzky (Bicho de Sete Cabeças), trazendo uma boa reflexão sobre pressão e culpa feminina no relacionamento familiar e matrimonial que questiona a submissão feminina social. O filme foi o maior ganhador do Festival de Gramado, angariando nada menos do que 6 Kikitos de Ouro. Porém, cinematograficamente falando, a ideia debatida no filme é mais interessante do que a sua execução em tela, contando com alguns problemas narrativos para um maior envolvimento com algumas “questãs”.
O filme conta a história de Rosa (Maria Ribeiro). Ela é uma mulher que almeja a perfeição como profissional, mãe, filha, esposa e amante. Filha de intelectuais e mãe de duas meninas pré-adolescentes, ela se vê pressionada pelas duas gerações que exigem que ela seja engajada, moderna e onipresente. Além de viver um matrimônio nada perfeito com Dado (Paulinho Vilhena), onde tudo é colocado em cima de suas costas.
A ideia de submissão feminina às “regras” impostas pela sociedade e pela família já é claramente debatida logo de cara no filme. Em uma reunião familiar, que deveria ser tranquila, acaba tendo o confronto (mais que normal) mãe e filha, em que fica bem claro as pressões que Rosa sofre. Dar conta das filhas e da casa, ser uma boa esposa, ter um bom emprego (já que uma analista de planejamentos de banheiros não é o bastante), mostra-se realmente uma tarefa árdua de conciliar. E uma das mais difíceis é o relacionamento com sua própria mãe. Clarisse Abujamra dá vida à uma mãe que, apesar de parecer realizada, é cheia de frustrações, e idealiza em sua filha o modelo “perfeito” de mulher que ela não foi. Um relacionamento turbulento que explode com uma revelação bombástica que fará Rosa refletir sobre toda a sua vida.
E em cima desse contexto Como Nossos Pais desenrola toda a psique da protagonista, para nós e para a própria Rosa. Notamos que a frustração era algo presente na vida dela, mas que era invisível aos seus olhos. Sentimo-nos com em um divã, em que os acontecimentos significam quase como uma abordagem de um psicólogo fazendo suas intervenções na consciência da protagonista. E a partir disto Rosa passa ter vontade própria em um momento de ruptura, aonde a personagem deixa de ser aquilo que todos esperam dela, e vive uma jornada de auto-descoberta que envolve seus “pais”, filhas, marido, mãe e o amigo perfeito.
O filme faz uma boa analogia com a peça Casa de Bonecas do dramaturgo dinamarquês Ibsen, a peça denunciava a exclusão das mulheres na sociedade, e Rosa, nesse processo de auto-descoberta, entrega-se à sua paixão pela dramaturgia, que fora podada por sua vida de “mãe de família”, pretendendo escrever uma peça que problematizasse as questões tratadas por Ibsen nos dias de hoje. E é justamente isso que trata e debate Como Nossos Pais, a mulher na sociedade de hoje: Padrões, estereótipos, expectativas e submissão dentro desta reflexão. E Maria Ribeiro e Clarisse Abujamra estão muito bem em seus papéis. Mas nem tudo é perfeito, e o filme acaba tendo alguns problemas.
Primeiramente a figura do “pai” vivido por Jorge Mautner, o ator, compositor e autor vive um personagem enfadonho que tem um arco que faz o espectador tirar os pés do chão, é quase um incômodo vê-lo em cena, parece que o filme queria fazer uma sátira do homem “idealista rabo-de-saia”, mas ficou tão forçado que prejudica na analogia com o atual marido de Rosa. O contato frio e utópico de um “novo” pai desconhecido vivido por Herson Capri também é algo bem monótono do filme. Sem falar na “irmã” mais nova que fica hospedada em sua casa; um recurso de roteiro mal fundamentado, já que aparentemente não havia motivos pra que aquilo ocorresse, e apresenta um trabalho bem fraco da atriz Antonia Baudouin. Deixando bem claro que o que de melhor que veremos neste longa é o relacionamento de Rosa com sua mãe.
Mas o maior problema é o “amigo perfeito” de Rosa, vivido por Felipe Rocha. Fica claro que ele é a idealização de Rosa sobre um homem perfeito; amigo, compreensivo e que sabe dar valor à mulher. A função dele no roteiro é quebrar também com essa idealização. Mas toda a sua construção foi mal alicerçada no filme, ficamos sem saber de onde que ele surgiu ou o que ele é ou era, um arco bem confuso, mas sem ser propositalmente confuso. E em uma determinada cena, no final do arco da praia, fica evidente a certa covardia do filme em não querer “manchar” a imagem de Rosa. Bem, esses arcos eram necessários para a construção da personagem, mas foram mal executados narrativamente.
De toda maneira, Como Nossos Pais apresenta uma ideia muito interessante de ruptura de estereótipos, expectativa e submissão feminina na família e na sociedade. Trazendo uma boa reflexão ao espectador sobre essa questão. Laís Bodanzky mais uma vez faz um filme com ideais pertinentes, mas que pena na produção e no roteiro, deixando o filme aquém de seu potencial.