Por volta daquela meiúca do início do século XX, surgiram as chamadas pulp magazines, também conhecidas como pulp fictions, ou simplesmente pulps, que eram revistas periódicas que traziam ao público histórias, geralmente curtas, de fantasia, ficção científica e investigação policial. Inicialmente, o termo “pulp” referia-se ao papel extremamente barato usado para dar vida a essas revistas, mas com o tempo passou a adquirir também um certo tom pejorativo, posto que histórias de fantasia, ficção científica e policiais eram consideradas, à época, mero entretenimento, e, por consequência, histórias com uma suposta qualidade literária menor.
O sucesso das pulp fictions, no entanto, foi estrondoso. O baixo preço das revistas contribuiu muito para tal sucesso, e muitos autores hoje celebrados publicaram suas primeiras histórias em revistas pulp, dentre eles Isaac Asmiov (temos outro texto sobre ele aqui), que tinha uma parceria histórica com a Astounding Science Fiction. Ao mesmo tempo em que nos apresentou autores, as pulp fictions deram o ponta pé inicial nas histórias de heróis da chamada Era da Aventura, como Zorro e Mandrake, por exemplo (temos um texto sobre Mandrake aqui). Esse bum! das pulp magazines durou mais ou menos até a Segunda Gerra Mundial. Ao mesmo tempo em que houve um aumento significativo do preço do papel usado nas revistas, as pulps magazines também tinham que enfrentar a concorrência com os quadrinhos e com o livros tradicionais.
Diante do inegável legado deixado pelas pulp fictions na cultura pop, o escritor brasuca Samir Machado de Machado, em parceria com a Não-Editora, trouxe à vida a memorável coleção Ficção de Polpa, cujos volumes contém histórias de investigação, ficção científica, fantasia, terror e afins, trazendo ao leitor do século XXI o espírito das pulp magazines daquela época. Neste texto, vou me ater ao Volume 4 da série, a saber, Ficção de Polpa – Crime, que foi o único que li, até o momento.
A primeira coisa que percebi ao adquirir o Volume 4 da série foi que o papel é bem resistente, quando comparado com os frágeis papéis de polpa de celulose originais. O uso de um papel mais resistente, no entanto, é compensado por determinados recursos estilísticos bem bacanas, como algumas manchas deliberadamente espalhadas pela capa, bem como algumas bordas amareladas e a característica coloração bege do papel. No interior do volume, o leitor também se depara com diversos anúncios publicitários de produtos caracteristicamente datados, potencializando ainda mais a ambientação da revista.
Por se tratar de um volume de histórias de suspense, mistério e investigação, a capa, concebida por Jader Corrêa e Matias Strebb, traz uma típica femme fatale acompanhada por seu cúmplice, sugerindo que ela seduziu e acabou de silenciar mais uma vítima. Senti falta, no entanto, de alguma história sobre femme fatales…
As histórias são basicamente contos. Uns flertam mais com a investigação, outros com o terror, e outros parecem ter saído de algum roteiro não-filmado de Quentin Tarantino. A primeira dessas histórias é As Muralhas Verdes, de Carlos Orsi, onde um detetive é convocado pra investigar um assassinato no reality show mais assistido do momento: A Casa de Vidro.
O segundo é A Conspiração dos Relógios, do português Ives Robert, que, inclusive, publicou no primeiro volume da série Ficção de Polpa uma outra história intitulada Traz Outro Amigo Também, que depois foi transformada em curta metragem nacional e cuja crítica você pode ler aqui. Em A Conspiração dos Relógios, o detetive Samuel e seu “amigo” conhecem uma atendente de caixa transtornada pela sincronia dos números do relógio com os acontecimentos de sua vida, como se os números quisessem lhe dizer algo importante, coisa que começa a acontecer com o próprio Samuel, instigando o detetive (e o leitor) a correrem contra o tempo pra descobrir o que está em jogo.
Em seguida, temos A Aventura do Americano Audaz, de Octávio Aragão, em que ninguém menos que Sherlock Holmes é convocado pra desvendar o desaparecimento de um herdeiro. À princípio, parece uma história comum de Sherlock Holmes, não? Parece, mas ela tem uns incrementos bacanas.
Em Agulha No Calcário, de Carol Bensimon, temos uma história que usa a clássica estrutura do recorte de perspectivas para contar os eventos, cabendo ao leitor compôr o mosaico dos fatos e desvendar o crime que ocorreu em um hotel francês curiosamente chamado de Detective.
O conto Um Dos Nossos, de autoria de Carlos André Moreira, apresenta ao leitor o detetive Roszynski, personagem de origem polonesa e que atua na polícia civil gaúcha. Na trama, Rozsynski e sua equipe se deparam com o dilema de investigar a morte de um sujeito que, ao que tudo indica, também integrava o corpo de oficiais da polícia civil local.
Por fim, Samir Machado brinda o leitor com uma história-bônus do escritor britânico Ernest Bramah, contemporâneo de Arthur Conan Doyle, história esta intitulada A Moeda de Dionísio, contendo mais um mistério a ser desvendado pelo intrigante detetive cego Max Carrados.
Ao mesmo tempo em que oferece ao leitor excelentes histórias de detetive, Samir Machado de Machado e a Não-Editora conseguem, à sua maneira, prestar um bom tributo às antigas pulp magazines, ficando aqui a dica pra ler não só este 4º volume da série, como também os demais volumes envolvendo ficção científica e fantasia.