Ghoul é a segunda produção original da Netflix produzida na Índia. Originariamente pensada como um longa-metragem, a reprodutora via streaming decidiu usar a produção como uma série, dividindo-a em três episódios (claramente nos três atos de um filme). A série mostra um futuro distópico onde o Estado é governado por militares ideologicamente fascistas e patriotas, contando uma história assustadora dentro de um contexto intolerante e violento de uma Índia que evoluiu de uma forma bastante tortuosa.
O assustador da série não está apenas os elementos propriamente de terror, mas também os sociais. Confesso que assistir pessoas inocentes sendo abordadas por militares truculentos é algo que me incomoda bastante. E o terror também está nestes incômodos que nos são causados. Observar toda a intolerância do Estado que oprime sua própria população por ideologias, culturas, religião ou até formas de conhecimento diferentes é algo realmente de embrulhar o estômago, principalmente quando realizamos que isso já aconteceu e estamos sempre próximos que volte a acontecer em nosso país. A alienação das pessoas é sempre perigoso, sendo o ingrediente perfeito para que tal ideologia intolerante possa florescer, ainda mais quando os próprios jovens são os maiores alienados. E alienação é o principal tema de Ghoul.
Logo de cara percebemos os impactos de tal alienação na relação de pai e a filha, Nida Rahim (Radhika Apte). Gerando todo o questionamento moral da personagem que é uma recruta da escola de interrogatórios do governo; e tal questionamento permeia toda a trama de terror que se segue na produção. A série se passa majoritariamente dentro de um centro de interrogatório secreto, lá os “terroristas” são torturados incessantemente até responderem o que os torturadores desejam. Nida é enviada para lá para que auxilie nas investigações sobre o maior terrorista desse tempo, Ali Saeed que acabara de ser capturado em uma situação bastante suspeita.
Ghoul trabalha bastante com o sentimento de culpa de seus personagens. Sendo esta culpa o maior alimento do ser demoníaco que assola o ambiente, o ghul. Um monstro folclórico árabe, uma espécie de gênio diabólico que muda de forma, habita desertos e se alimenta de carne humana, ele é até referenciado na obra As Mil e Uma Noites. Na série ele é invocado quando alguém vende a própria alma e desenha um símbolo de sangue no chão. Usando a culpa para entrar na mente dos personagens, ghul elabora dentro da série a própria questão da tortura abordada dentro dos interrogatórios.
Produzida por Jason Blum da Blumhouse Productions, mesma produtora de “Corra!”, “A Morte te Dá Parabéns” e “Fragmentado”, Ghoul já contava com uma certa expectativa por se tratar de uma obra dessa prolífica produtora dentre de Hollywood. E a série consegue capturar o espectador de forma bastante peculiar e diferente das obras de terror padrão. O forte da série é apostar no conflito gerado no espectador, que ao mesmo tempo que teme e se assusta com cenas envolvendo um ser demoníaco, ele torce para que tal ser possa vingar todos os males que tais pessoas causam em outras. Assim como em Nida, que conflitamos entre nos envolver com uma protagonista alienada ou uma protagonista que ainda está sendo construída. Porém os elementos de terror propriamente dito são competentes, mas nada inovadores. Nem nos aspectos técnicos (câmeras afobadas, cenas escuras, câmeras de segurança) e nem nos aspectos interpretativos (não há nenhuma atuação que chame realmente a atenção). No fim o conflito é o principal elemento da série, e que vai trabalhar toda uma jornada entre a alienação e a redenção na trama.
Enfim, Ghoul é uma excelente dica para você que queira fugir um pouco dos estereótipos americanos. A ambientação e produção na Índia traz um frescor de novidade, além de caras novas. Coisas que somente a Netflix ainda nos possibilita. Além disso, a trama evolui de forma muito competente construindo a protagonista num crescimento bastante substancial e palatável. Uma ótima experiência.