Recentemente nós vivemos em uma era onde a cultura do entretenimento está sendo revisada como um todo. O que mais está em foco é a desconstrução e reformulação dos estereótipos e papéis de gêneros e sexualidade. Os personagens deixaram de ser simples “figuras inventadas” e passam a representar um grupo, um estilo de vida. Às vezes isso é ótimo, porém, outras vezes, pode ser péssimo, pois coloca uma carga que a própria história não se propõe. Exemplo: Um negro no filme acaba representando todos, mesmo com a produção não tendo essa proposta. Uma ideia absurda, pois ser negro é só uma das várias características que uma pessoa pode ter. Mas alguns filmes querem justamente representar tais grupos, então os negros, mulheres, gays, etc. são representados através de um, ou alguns, personagens. Gostosas Lindas e Sexies tem a proposta de levar à tela as mulheres acima do peso e colocá-las como protagonistas. A representação da mulher é um dos temas mais relevantes (junto com a representação dos negros e dos Lgbt) e é mais do que natural que filmes como estes comecem a surgir para tentar derrubar certos paradigmas e estereótipos que estão em nosso dia a dia.

O grande problema desse filme é justamente abraçar essa proposta e não conseguir executá-la. É impressionante como ele consegue reforçar grande parte dos preconceitos que se propõem a derrubar. O filme é do gênero comédia e conta a história de quatro amigas, todas acima do peso, passeando um pouco pela vida delas e os problemas que cada uma enfrenta.

Gostosas Lindas e Sexies consegue falhar tanto em passar sua mensagem quanto em sua comédia. Para evidenciar isso melhor vamos olhar cada uma das quatro protagonistas de cada vez.

Beatriz (interpretada por Carolina Figueiredo): É a que recebe mais tempo de tela e entre todas as quatro é a “mais protagonista”.  Ela trabalha numa revista sobre saúde e boa forma e tem pretensões a ser uma escritora/blogueira. Mora junto com o típico homem que é uma fantasia adolescente da figura masculina perfeita.  Seu único conflito é escolher entre dois caras, ambos totalmente dentro dos padrões de beleza, enquanto ela mesma “sofre” com diversos ataques de companheiras de trabalho. Ela ganha bem, é sexualmente ativa, todos os homens parecem se interessar por ela, mas por algum motivo o filme tenta mostrar que ela sofre muito com o comentário de duas mulheres que ela nem sequer é amiga, ou nutre algum sentimento positivo. Para completar sua geladeira fala com ela, humilhando-a dizendo que Beatriz é gorda, algo totalmente desconexo com o resto do filme. Quando eu digo que ela fala com a geladeira, não estou me referindo a uma forma metafórica. Seu namorado chega a observar uma das conversas e ela se comporta como se isso fosse normal.

Ivone (interpretada por Cacau Prótassio): Talvez a atriz mais relevante das quatro. Já conhecida pelo seu trabalho no programa de televisão “Vai que Cola” e na adaptação para o cinema do mesmo programa. Ivone é dona de uma enorme rede de salões de beleza e possui dois filhos, que ela não sabe quem são os pais. Assim como todas as outras protagonistas ela deseja um homem em sua vida onde só há espaço para negócios. A atriz é ótima, mas o roteiro não ajuda e sua trama pessoal é uma das mais bizarras, quase beirando ao absurdo completo. O talento da atriz não consegue saltar no meio das péssimas falas e situações ainda piores.

Marilu (Mariana Xavier): Consegue ser a pior personagem de todas. Sua única característica é, basicamente, demonstrar interesse sexual por todos os homens que entram em cena. Absolutamente todos. Isso inclui namorados das amigas. Sua personagem é tão exagerada que ela demonstra interesse sexual por pessoas que ela conheceu há dois segundos. Sua personagem não possui nenhum tipo de arco ou modificação. Ela é uma tentativa torta de mostrar uma mulher dona da própria sexualidade que não se prende aos padrões sociais, mas isso é feito de forma tão exagerada que parece uma caricatura de alguém que, literalmente, só consegue falar sobre sexo de forma pouco criativa.

Tânia (Lyv Ziese): Outra ótima atriz presa em um papel péssimo. A típica figura da mulher casada que está com o casamento falido. Aqui temos uma grande confusão sobre o que é a internet e como se tornar popular nela. Acaba sendo a melhor personagem só porque Tânia é a que acaba tendo menos tempo de tela e, portanto, uma história menos absurda.

Para um filme que deveria ser sobre mulheres, mostrar como são independentes e não se importar com os padrões de beleza, chega a ser irreal o roteiro deste filme. As quatro só falam de homens o tempo todo e todos os seus “dramas” envolvem figuras masculinas, que dominam suas vidas por completo. A beleza também é uma das coisas mais importantes no filme. O tempo todo elas se reafirmam como mulheres bonitas, e que seus pesos não importam, mas todos os outros homens do filme são dentro dos padrões de beleza e dentro de todos os padrões de fetiche adolescente.

As cenas onde se tenta mostrar o preconceito que elas sofrem são infantis. Existem duas vilãs que parecem saídas de um desenho animado ruim. Em diversos momentos pessoas começam a chamar as protagonistas de nomes pejorativos em contextos totalmente absurdos. Imagine que você está entrando num elevador e ele para num andar. A pessoa que entra olha para você e grita “Não vou entrar aqui com essa pessoa obesa”. É esse tipo de coisa que temos aqui.  As falas são totalmente artificiais e a comédia tenta de todas as formas entrar em cena, mas só consegue arrancar risadas pelo constrangimento (no mal sentido). Isso é algo especialmente ruim, já que os filmes nacionais têm um longo histórico de comédia, e bem ou mal, é um gênero que dominamos com relativa facilidade.

O filme tenta fazer uma crítica a falsa felicidade das redes sociais, mas acaba caindo em outro problema do meio: o texto de auto-estima é totalmente raso. Acredito que é uma das maiores hipocrisias que já vi no cinema, e o mais triste é que é uma hipocrisia não intencional. No fim, Gostosas Lindas e Sexies acredita que realmente deu uma grande lição de moral sobre aceitação e viver bem consigo mesmo, mas assustadoramente ele reforçou todos os preconceitos que tentou quebrar.

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Raul Martins

Autor dos livros Cabeça do Embaixador e Onde os sonhos se realizam

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