Tijolômetro – How a Realist Hero Rebuilt the Kingdom
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Ótimo!
Diante de tantos isekais que desfilam o mesmo figurino de protagonistas invencíveis, dragões domesticáveis e mundos que se curvam ao menor suspiro do herói, How a Realist Hero Rebuilt the Kingdom surpreende por trilhar uma rota menos gloriosa — mas nem por isso menos fascinante. Ao priorizar a burocracia em vez da batalha, o discurso político no lugar do grito de guerra, o anime nos convida a assistir a uma guerra silenciosa: a do planejamento, da diplomacia e da administração pública. Mas, mesmo com essas cartas instigantes em mãos, será que ele consegue vencer no jogo da originalidade ou tropeça nos clichês do gênero? Essa é uma pergunta que nos persegue até o último episódio — e cuja resposta exige mais do que números de audiência ou cenas de ação para ser dada.
Baseado na light novel homônima escrita por Dojyomaru e ilustrada por Fuyuyuki, How a Realist Hero Rebuilt the Kingdom foi adaptado para anime em 2021, com produção do estúdio J.C. Staff. A história acompanha Kazuya Souma, um jovem estudante universitário que, após ser invocado como herói no reino de Elfrieden, recusa o tradicional papel de salvador guerreiro e opta por algo bem mais radical: reestruturar todo o país com base em economia, administração e ciência moderna. Em vez de monstros, ele enfrenta problemas fiscais, escassez de recursos, crises diplomáticas e, claro, a burocracia de um reino medieval. A direção de Takashi Watanabe busca dar dinamismo a um enredo majoritariamente expositivo, enquanto a trilha sonora de Akiyuki Tateyama cumpre bem seu papel, ainda que sem grande brilho. A arte não é excepcional, mas transmite uma certa vivacidade, sobretudo nas representações das cidades e palácios, que nos fazem sentir dentro de um mundo funcional — e não apenas mágico.
Do ponto de vista técnico, o anime é sóbrio, quase conservador. A animação é consistente, mas dificilmente impressionante, e as cenas de ação são esparsas e discretas, condizentes com a proposta. A abertura (“Hello Horizon”, da cantora Inori Minase) é cativante, e o encerramento funciona como um respiro bem-vindo após episódios densos em diálogos políticos. Curiosamente, há um esforço notável para tornar empolgante o que, à primeira vista, poderia soar como uma aula de administração pública. Entre as curiosidades de bastidores, destaca-se o fato de o autor da novel ter revelado que se inspirou diretamente em tratados políticos clássicos, especialmente O Príncipe, de Maquiavel — texto que o protagonista cita de forma quase obsessiva. Essa escolha dá ao anime um caráter didático, mesmo que, por vezes, um pouco pedante.
O grande mérito de Realist Hero está em sua proposta: inverter a lógica clássica do isekai. Em vez de um herói que vence tudo com força física ou poderes mágicos, temos alguém que reorganiza o país por meio de conselhos administrativos, reformas agrárias e reestruturação do exército. O protagonista é um tecnocrata que prefere planilhas a espadas — e isso, num gênero tão saturado de combates exagerados, soa quase revolucionário. Contudo, o anime não escapa completamente de seus vícios: o protagonista, embora inteligente, é cercado por um harém crescente de garotas apaixonadas (das quais ele mal parece perceber o afeto), e certos episódios resvalam em situações derivativas e pouco inspiradas. Além disso, a falta de conflito físico pode alienar os fãs mais tradicionais do gênero.
Apesar dessas concessões ao clichê, a série se destaca por explorar com profundidade questões administrativas raramente vistas em animes. Desde a importância da propaganda política (sim, há um “Ministério do Entretenimento”) até a reeducação de refugiados e o uso de tecnologias rudimentares, há uma tentativa real de tornar crível a evolução de um reino medieval a partir de noções modernas. O último episódio, ao revelar os motivos do antigo rei para abdicar, não apenas dá uma camada dramática à trama como também amarra com eficiência os arcos políticos estabelecidos — reforçando que, sim, havia lógica por trás da entrega do trono a um estranho. Trata-se de uma narrativa que valoriza o detalhe, a estratégia e a negociação, tornando-se muito mais interessante do que sua premissa inicial pode sugerir.
Não se trata de uma obra para quem busca adrenalina ou emoção constante, mas sim para quem gosta de ver engrenagens políticas em movimento e refletir sobre como o mundo real — com suas leis, sistemas e instituições — poderia se manifestar num universo de fantasia. Em suma: How a Realist Hero Rebuilt the Kingdom é um anime com pouca ação, mas muita intenção. E, dentro de sua proposta, ele entrega mais acertos do que erros, mesmo que se apoie em algumas muletas típicas do isekai moderno.
A primeira temporada do anime teve 13 episódios, seguidos por uma segunda parte (ou “parte 2” da primeira temporada), totalizando 26 episódios ao todo. Não houve até o momento um anúncio oficial de continuação, mas o material original ainda oferece bastante conteúdo não adaptado, o que mantém as esperanças dos fãs acesas. A série está disponível com dublagem e legendas em português na plataforma Crunchyroll. Para quem deseja ver um mundo de fantasia sob o olhar de um gestor público, é uma escolha mais do que apropriada — é, talvez, a única.
Confira o trailer da primeira temporada:
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