Alguns livros passam a ser conhecidos pelo grande público somente quando sua adaptação para os cinemas é lançada. Esse é o caso de Mickey7, do escritor Edward Ashton, cuja adaptação dirigida por ninguém menos que Bong Joon-Ho (Parasita) chega às telonas em 2025 com Robert Pattinson no papel principal. Contudo, mesmo com uma premissa inteligente e questionamentos filosóficos intrigantes, a trama do livro carece de carisma e profundidade.
Mickey Barnes é um prescindível, um clone humano utilizado em missões espaciais de alta periculosidade, cujas memórias e personalidade podem ser transferidas para um corpo novo após sua morte. Em outras palavras, ele é descartável. Depois de uma missão fracassada, sua sétima versão é abandonada e considerada morta, mas Mickey7 consegue sobreviver e retornar à colônia humana de Niflheim. Porém, ao chegar lá, ele percebe que já foi substituído por outro clone. Agora, os dois Mickey precisam esconder esse segredo, caso contrário ambos serão descartados.
Transferência de consciência e troca de corpo é algo que já vimos em outras produções sci-fi como Carbono Alterado. Entretanto, a proposta de Mickey7 é abordar essa premissa de um ponto de vista mais filosófico e até religioso. Assim, o leitor é convidado a refletir junto com o protagonista sobre temas como identidade e imortalidade, tendo como referência o paradoxo do Navio de Teseu que também já foi mostrado em Wandavision. O problema é que esse dilema existencial vai perdendo força ao longo do tempo.
No que diz respeito à ficção científica, a narrativa de Edward Ashton é bem mais leve se comparada a outros autores do gênero como Cixin Liu, sem tantos conceitos complexos e mais fantasiosa. As passagens mais interessantes são sobre o passado da colonização pelo universo, onde o narrador em primeira pessoa relembra os maiores sucessos e os fracassos mais desastrosos da humanidade na busca por territórios.
Já no tempo presente, o qual deveria ser o mais importante para a trama, o desenvolvimento não é tão eficiente. A começar pelo próprio Mickey7 e suas atitudes controversas que, em vez de lhe acrescentarem mais camadas, o tornam um personagem com pouco carisma. Em seguida, vem sua relação com Mickey8 que é estranha se considerarmos que eles são a mesma pessoa e deveriam ter pensamentos semelhantes. Isso seria irrelevante se as coisas acontecessem de forma mais trabalhada, contudo os acontecimentos se apressam em um curto intervalo.
Tais pontos negativos não comprometeriam tanto a leitura caso o desfecho entregasse algo impactante, o que infelizmente não é o caso. O conflito que deveria oferecer o maior momento de tensão da história é totalmente anticlimático e tira o peso da conclusão que vem a seguir. Nem mesmo a última revelação que faz o gancho para o segundo livro – Antimatter Blues (sem tradução no Brasil) – consegue surpreender.
Apesar de propor uma reflexão instigante sobre identidade e imortalidade em cima de um tema criativo, Mickey7 decepciona por não desenvolver mais empatia dos leitores pelos personagens e por não dar a devida profundidade que o assunto exige. Fica agora a esperança de que a adaptação de Bong Joon-Ho conserte essas falhas e dê um final mais satisfatório à obra.
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