Os filmes de terror vem passando por um momento muito interessante nos cinemas, e isso tem a ver com a qualidade das mentes pensantes no gênero hoje em dia. Não é à toa que nomes de novos diretores surgiram vigorosamente ao longo dos últimos anos, trazendo novas perspectivas e originalidade ao gênero que sempre usou muito clichê para contar suas histórias e assustar os espectadores. Bem, os clichês ainda continuam, mas a originalidade das narrativas de suas histórias estão se destacando cada vez mais. Não é à toa que nomes como James Wan (já consagrado) e dos promissores Mike Flanagan (Jogo Perigoso), Zak Hilditch (1922) e Pascal Laugier (A Casa do Medo) ganham cada vez mais espaço em produções (na película e na TV) e a própria produtora Blumhouse, de baixo orçamento, galgou seu espaço através de boas e inventivas histórias de horror.
Jordan Peele é um desses nomes. Aliás, é “O Nome” do momento. Após ganhar o Oscar de roteiro original em 2018 com o excelente Corra!, aonde apostou numa trama psicológica e surpreendente, subvertendo uma temática racial. Em Nós, Peele, agora com carta branca e total controle de sua obra (ele responde pela direção, produção e roteiro do filme), aposta novamente na originalidade para unir as convenções básicas do horror e as nuances filosóficas na trama. Adelaide (Lupita Nyong’o) e Gabe (Winston Duke) decidem levar a família para passar um fim de semana na praia e descansar em uma casa de veraneio. Eles viajam com os filhos e começam a aproveitar o ensolarado local, mas a chegada de um grupo misterioso muda tudo e a família se torna refém de suas próprias cópias.
Nós te prepara aos poucos para o confronto das cópias: reflexos no espelho, aranhas e coelhos criam as alegorias que veremos ganhar corpo lá pela metade do filme. Neste ponto soou um tanto diferente a grande demora do filme para colocar o perigo real ao espectador, por outro lado Peele apostou numa melhor construção do núcleo familiar principal. E isso é importante para uma maior compreensão das cópias. O lado sombrio de cada um. “Nós” fala do monstro que há em cada um de nós. Esse é o tema principal do longa que é abordado por interessantes alegorias. Mas é algo que cabe, sim, diversas interpretações, e Peele fez questão de deixar interpretações abertas de sua história. O incômodo causado ao ver os personagens encararem suas contra-partes sombrias é no mínimo reflexivo, mas em Nós há uma clara investida do cineasta em um terror mais físico do que psicológico. Lembrando alguns filmes de slashers da década de 80, o que contrasta bem de Corra! que é um terror psicológico grandioso. Mas ainda há elementos que lhe são característica, em Nós o diretor subverte o sentido da final girl e aplica uma sarcástica crítica social e sistêmica.
Lupita Nyong’o se destaca no longa mostrando todo o seu arsenal interpretativo ao representar a luz e a sombra da protagonista deixando nuances dúbias, diferentes em cada uma. O mesmo não se pode falar do restante do elenco, que acaba sendo estereótipos de uma família (a filha rebelde, o filho agitado, o marido condescendente). Como falei anteriormente, Nós usa muito dos clichês do terror para abordar o tema, e tem tudo lá, reflexos no espelho, sombras no escuro, tesouras e plot twist. E, apesar desse plot twist combinar totalmente com o tom do filme, carecia de um acerto melhor nas arestas, pois o espectador pode se sentir ao mesmo tempo que surpreso, também enganado. Este é um problema do filme, mas que não atrapalha em nada a experiência do espectador. O que realmente atrapalha é o excesso de explicações que ocorre na última parte do filme, dando um peso maior na cientificidade do que no fantasioso do evento que ocorre no longa, talvez uma explicação mais tortuosa caberia melhor para o filme ter diversas interpretações. Enfim, escolha do diretor.
Peele mostra novamente o seu poder saindo de sua zona de conforto e tentando algo novo em Nós. Um filme que flerta com o que há de mais clássico e, ao mesmo tempo, o mais inusitado que o terror pode oferecer. Apresenta certas inconsistências no roteiro, alívios cômicos algumas vezes na hora errada que, mesmo intencionalmente quebram uma tensão total, e excesso de explicação expositiva. Mas, mesmo ainda ficando abaixo de Corra!, Nós é um filme ousado que pode ter uma certa licença para cometer alguns deslizes. Vale muito a sua atenção.