A ficção científica brasileira vem ganhando cada vez mais representantes na literatura. O mais novo título a integrar esse time é a obra cyberpunk Olhos de Pixel, terceiro livro do escritor paranaense Lucas Mota, que não perde a oportunidade de abordar assuntos polêmicos e fazer críticas contundentes a algumas instituições poderosas.
Em uma Curitiba futurística, conhecemos a mercenária Nina Santteles, cujo único objetivo é se reaproximar do filho adolescente e levá-lo para a colônia espacial Chang’e em busca de uma vida melhor. Sua chance aparece quando a polícia lhe propõe um acordo no qual ela ajudaria a capturar Kalango, o hacker procurado pela maior corporação-igreja do país. Em troca, Nina ganharia passagens só de ida para o tão sonhado paraíso. O problema começa quando ela recebe uma oferta semelhante de outra pessoa com a garantia de que ela não precisa renunciar quem é caso ajude a derrubar a igreja que é contra a existência de pessoas como ela.
Uma das primeiras coisas que notamos ao começar a leitura é a construção do cenário cyberpunk em território nacional. Apesar de vermos isso apenas em Curitiba, temos uma noção de como todo o Brasil se encontra nesse contexto. Os lugares e personagens seguem a caracterização típica do gênero: baixa qualidade de vida para os mais pobres em contraste com o excesso de tecnologia. Assim, temos bairros obscuros, carros voadores e pessoas com membros e implantes eletrônicos. O ponto comum entre todos é a dependência da smartself, um dispositivo que é arbitrariamente implantando no cérebro das pessoas ao nascerem e permite que elas acessem a internet e se comuniquem entre si enquanto estão sujeitas a todo tipo de propagandas e vigilância.
Aqueles que alteram a própria smartself para fugir da intromissão das corporações são chamados de roots e são colocados à margem da sociedade. Além de serem roots, Nina e seus amigos também fazem parte da comunidade queer, grupo que não se encaixa no padrão heterossexual imposto socialmente. Então já dá para imaginar que eles sofrem discriminação em dobro.
Uma das instituições que mais prega a intolerância é a Santa Igreja de Salomão. Lucas não teve medo em causar polêmica ao mexer com símbolos e organizações religiosas e apontar todo o discurso de ódio e preconceito que elas pregam sob o pretexto de estarem “defendendo a família brasileira”. A polícia paramilitar é outro grupo no qual notamos a incompetência, a brutalidade desmedida e o despreparo para lidar com diversas pessoas e situações.
Olhos de Pixel coloca esses grupos em choque e o resultado é algo muito próximo ao nosso contexto atual onde a ignorância e o fanatismo colocam em risco qualquer possibilidade de diálogo e aceitação ao próximo. Lucas Mota mais uma vez extrapola nossa realidade — como já havia feito na distopia Boas Meninas Não Fazem Perguntas — e mostra até que ponto a sociedade poderia chegar caso algo não seja feito algo agora para impedir esse futuro.
Além de todas essas questões delicadas, o livro contém o que qualquer obra cyberpunk precisa: muita ação, cenas de luta, perseguições e reviravoltas. Tudo isso acompanhado de aparatos tecnológicos que dão aos usuários habilidades além da capacidade humana comum. Esses ingredientes se unem e formam uma narrativa coerente e com final satisfatório.
Olhos de Pixel é polêmico, provocativo e traz uma reflexão válida sobre a hipocrisia que existe por trás de atos que pretendem beneficiar os “cidadãos de bem”. E mesmo que essas questões profundas não sejam o que você está procurando, a trama criada por Lucas Mota também irá lhe proporcionar entretenimento e diversão com a boa e velha ficção científica.
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