Lançando no Festival Internacional de Berlim no início de 2017, e mais recentemente na plataforma de streaming Netflix, o longa-metragem “Peles” é uma das obras mais provocativas do cinema espanhol nos últimos tempos. Dirigido pelo estreante no comando de longa-metragens Eduardo Casanova, o filme aborda a auto-aceitação dentro do estranho mundo de peculiar estética rosa, onde somos submetidos à situações grotescas, envolvendo personagens de aparência ou costumes bizarros.
Casanova foi um ator bem sucedido na Espanha que se arriscou recentemente em alguns curta-metragens, e justamente devido a esses curtas, que já demonstravam uma visão extremamente peculiar das coisas, despertara o interesse de Alex de la Iglesia, renomado cineasta espanhol com bons e impactantes filmes em seu currículo. E da união desses dois, o politicamente incorreto dentro de uma visão extremamente bizarra ganhou asas em Peles, com contornos extremamente estéticos, mas, que, por mais trágicos e perturbadores sejam seus dramas, apresentam uma certa superficialidade reflexiva no final. Dando uma leve impressão de ser apenas uma forma diferente de se contar uma lição de moral batida.
O filme retrata histórias diferentes, onde cada personagem possui alguma peculiaridade perturbadora, que varia desde deformações físicas à gostos nada normais. Cada um deles vive o drama de auto-aceitação que motivam suas jornadas dentro do filme. Como destaque dessas peculiaridades temos: uma mulher que nasceu sem os olhos vivendo como uma prostituta desde à infância; uma anã que quer ser mais do que apenas uma fantasia de programa infantil; um rapaz que não reconhece suas pernas; uma mulher que nasceu com o ânus e a boca trocados de lugar; entre outros. Personagens grotescos vivendo dramas extremamente bizarros. Mas é interessante notarmos ao longo da projeção que esses dramas não existem apenas pelas suas peculiaridades físicas. Seus dramas existem também pelo próprio ambiente de valorização estética em que vivem e pelas outras pessoas que as rodeiam – supostamente normais, mas com personalidades tão trágicas quanto as delas – o pai que abandona o filho; a mãe vitimizada; o agente ganancioso, etc; Mostrando que por mais bizarra que seja a sua aparência ou problema, você pode ser uma pessoa tão “normal” (ou quebrada) quanto qualquer outra.
Peles é esteticamente chamativo. Sua direção de produção e desenho de arte dão um tom lírico ao mundo surrealístico que Casanova constrói de tom rosa e roxo, que contrasta com cenas impactantes e perturbadoras que acontecem dentro desse mundo. Como a prostituição de uma menina de 11 anos como válvula de escape de um pedófilo, o sexo fulgaz entre uma mulher de rosto desfigurado com um rapaz de corpo queimado, a vontade de auto-flagelar as pernas do jovem abandonado pelo pai, alimentação por lugares inapropriados de Samantha (a menina que tem a boca e o ânus em lugares trocados), e vários outros momentos que trazem perturbação com toques de humor ácido e provocativo, mas que estão sempre apegados à superficialidade estética.
Cada uma dessas histórias vão se entrelaçando dentro de uma narrativa fragmentada (como nos famosos filmes Magnólia e Crash – No Limite). Os personagens tem suas trajetórias linkadas ao longo da película, permitindo-nos fazer algumas conexões dentro deste enredo. E no terceiro ato, de forma natural, conseguimos perceber que a auto-aceitação de um personagem tem a ver com a, também, auto-aceitação do outro. E como numa grande epifania, Peles traz a mensagem de que, mesmo com o mais bizarro dos problemas, você pode ser feliz desde que você se aceite e seja aceito. Uma ideia levemente piegas para o tom do filme, demonstrando aquela certa superficialidade estética do mundo moderno na concepção do filme, já citada no texto, mas que, ainda assim, tem seu valor já que é uma busca inerente à própria natureza humana.
Por fim, detrás de todos os absurdos que vemos em tela, Peles celebra o diferente na sociedade, com uma mensagem de que é possível encontrar a beleza nas deformidades e que todos merecem ser respeitados, independente de como seja. O importante é como nos sentimos e somos por dentro, e não o que somos por fora. Uma mensagem extremamente comum, mas que é contada de forma bastante peculiar por Casanova.