Quando é posto ao espectador que o filme de terror é baseado em fatos reais, o longa ganha contornos ainda mais assustadores. Ajuda a construir todo o imaginário como a possibilidade de vivermos tais situações como a dos próprios personagens. Porém, hoje em dia, apenas isso não basta. Houve ao longo de anos uma enxurrada de filmes que cantavam baseado em fatos reais, mas que na verdade deram uma grande floreada na situação, como o Invocação do Mal, ou que realmente apenas usaram da grife para ganhar ainda mais notoriedade como os já famigerados found footage. Porém em Possessão, filme produzido por Sam Raimi e dirigido por Ole Bornedal, há o resgate do horror potencializado com a grife de ser baseado em fatos reais, trazendo um demônio antigo da mitologia judaica como o grande arlequim de uma trama familiar medonha.
Clyde (Jeffrey Dean Morgan) e Stephanie Brenek (Kyra Sedgwick) estão separados, mas conseguem se relacionar para o bem das duas filhas do casal. Quando ele compra uma casa nova, sua filha mais nova Em (Natasha Calis) o convence a comprar algumas coisas para lá, entre elas, uma caixa de madeira muito bem trabalhada e ao mesmo tempo misteriosa, que não se pode abrir. Encantada pelo artefato, a jovem descobre como se abre, passa a ouvir vozes e, em seguida, estranhos acontecimentos começam a acontecer na casa. Desconfiado do comportamento da caçula, totalmente diferente, ele conversa com a ex que não dá ouvidos e eles começam uma nova crise. Quando a mãe se dá conta de que ele falava a verdade, já é tarde demais, pois a jovem está possuída por um espírito do mal, que se alimenta de seus hospedeiros. Começa então uma corrida contra o tempo para salvá-la e um exorcismo pode ser a solução.
O filme traz o conceito da caixa dybbuk, um antigo artefato judaico aonde eram aprisionados demônios. Foi interessante ver um gatilho para a entrada do mal não ser um tabuleiro ouija, tão usado nos filmes atuais. Isso trouxe todo um conceito novo sobre um demônio judaico, pouco explorado no gênero, e todo o ritual de exorcismo semita ao qual envolvia o jovem rabino que deu contornos bem originais à narrativa do filme. Porém o destino final do jovem religioso é um daqueles clichês clássicos de filmes de terror, quebrando um pouco do sentimento de originalidade.
O drama familiar que corre de fundo se mostra interessante, sem roubar muito espaço do terror do filme. A família quebrada é o ambiente perfeito para que uns não acreditem nos outros, e assim termos espaços para uma confusão maior entre os personagens além do apenas ceticismo que geralmente é usado nessas fases introdutórias no filme. Ok, aquela cena no aparelho de ressonância magnética ficou forçada demais para quebrar a descrença da mãe. Uma espécie de ressonância paranormal. Mas todo o suspense e tensão causado por tal cena até que dá para deixarmos passar.
Outro ponto interessante que acontecesse em Possessão é aquele momento em que os pegamos torcendo para que o demônio ataque alguém, no caso o namorado dentista de Stephanie. Porém o sentimento de satisfação vem acompanhado por uma culpa moral na cabeça do espectador, fazendo-nos entrar num confuso entrelace de sentimentos que no fim acabamos assustados. Fazendo aquele leve e belo terror funcionar dentro de nossas cabeças. Por fim, o sacrifício do pai em prol de sua filha, apesar de clichê, alimenta o tom “família” do longa e um encerramento de arco digno para tais personagens. Talvez tenha faltado um pouco de coragem para algo mais chocante, mas pelo menos fica essa recompensa para o espectador.
Enfim, Possessão é uma boa pedida para você que queira passar aquela noite com alguns sustos legais, mas sem sair muito do conforto.