A série de televisão “Mad Men” fez um enorme sucesso e é extremamente premiada, com cinco globos de ouro e diversos outros troféus. O programa conta a vida de uma agencia publicitaria nos anos 60 e as relações humanas que ocorrem dentro dela, tudo dentro do contexto histórico muito bem feito. O filme que eu trouxe hoje fala quase da mesma coisa, mas a grande surpresa é que ele foi feito em 1960 de fato. “Se Meu Apartamento Falasse” (The Apartment) narra a vida de C.C Baxter um funcionário de uma agencia de seguros onde todos os seus chefes usam seu apartamento para seus encontros extraconjugais.
Mas por que eu estou comparando com “Mad Men”? Essas duas obras falam muito sobre como as relações de trabalho e as relações pessoais se misturam de forma cruel, gerando dramas de vidas comuns, porém extremamente densas. A diferença é que este filme começa com um tom bastante cômico, afinal de contas o protagonista é interpretado por Jack Lemmon (já falamos dele aqui em “Quanto mais quente melhor”), mas gradativamente o longa vai se tornando um drama carregado. A trama se complica quando Baxter se apaixona por uma das garotas que um de seus chefes leva para seu apartamento e toda essa pequena estrutura secreta começa a ruir.
O filme é roteirizado e dirigido por Billy Wilder, que também é responsável por “Quanto Mais Quente Melhor” e outros clássicos como “Crepúsculo dos Deuses” e “Pacto de Sangue”. Outra figura responsável pelo roteiro é o parceiro de diversos trabalhos de Wilder: I.A.L Diamond. O curioso desse filme, como já dito anteriormente, é começar como uma comédia e ir se tornando um drama ao longo de nossas percepções. Da situação inusitada de um cara que não consegue usar o seu próprio apartamento que vai escalonando de uma forma tão absurda a ponto de te deixar angustiado.
Em termos práticos Se Meu Apartamento Falasse é lindo. É completamente filmado em preto e branco e tem posicionamentos de câmeras fantásticos, principalmente dentro da companhia de seguros que propositalmente é filmada para parecer infinita. As pessoas se amontoando nos elevadores do enorme prédio. Dentro do diminuto apartamento somos muito bem servidos de posicionamentos diferentes que faz o minúsculo local parecer enorme. Só um bom diretor tem essa capacidade, pois a maior parte do filme se passa ali, o que poderia tornar o longa meio monótono devido à falta de mudanças de cenários. Os diálogos são muito bons e delicados e cheios de nuances.
O filme fala muito sobre como relacionamentos abusivos podem surgir em qualquer lugar e estão muito relacionados com relações de trabalho. Baxter é o cara que aceita qualquer coisa de seus superiores na empresa, enquanto seu interesse romântico, Kubelik (interpretada por Shirley Maclaine), se permite relacionar com diversos homens que a maltratam. Outro tema, também muito abordado em Mad Men, é como o trabalho vai crescendo e tomando conta da vida das pessoas a ponto da vida pessoal ficar encolhida e o trabalho tomar conta de tudo.
O final é construído de forma bem interessante e os dois personagens principais são muito bem construído. Baxter mantem um certo tom cômico durante na maior parte do filme, mesmo em situações tensas, pois durante todo o roteiro a situação em que ele vai se permitindo colocar é tão absurda que chega a ser cômica. Aliás, Se Meu Apartamento Falasse é colocado como uma das maiores comédias de todos os tempos e foi vencedor de 5 Oscars, além de outros 19 prêmios. Ao fim, apesar da comédia, é um filme um tanto melancólico. Ele fala de coisas sobre como, por vezes, submetermo-nos a relacionar de uma forma excessivamente permissiva para agradar pessoas que não nos querem bem, e muito disto porque nós desejamos algum tipo de vantagem no final.
Se Meu Apartamento Falasse tem uma visão muito clara de seu próprio tempo. Este submundo das vidas pessoais de Nova York, que são transpassadas por cargos de empresas, amantes, casamentos falidos e muita hipocrisia. A família americana padrão é jogada na lama neste filme, mas curiosamente isso é feito de forma muito sutil, mesmo que isso seja, em parte, o tema do filme. Em nenhum momento temos um discurso expositor sobre “hoje em dia as pessoas não se relacionam mais blá blá”, não existe esse tipo de moralismo simplista de texto de Facebook.