Monumentos que datam desde a Antiguidade sempre fascinaram a sociedade. Muitos deles carregam uma mística devido à dificuldade que os arqueólogos tiveram na primeira metade do século XX de explicar como tais monumentos foram erguidos. As pedras de Stonehenge entram facilmente neste balaio. Diversas teorias foram criadas para tentar explicar sua criação e o porquê de sua existência. No romance histórico de Bernard Cornwell temos uma narrativa que além de explicar essas duas perguntas também narra uma saga envolvendo as tribos que habitam a antiga Bretanha.
Há 4.000 anos havia a tribo Ratharryn onde o seu chefe teve três filhos. Lengar, Saban e Cambam. Essas três figuras vivem uma incrível jornada em busca de seus objetivos. Ao longo de todo livro acompanhamos Saban que, devido a uma série de acontecimentos, precisa sair de sua tribo natal e acaba entrando em conflito com um de seus irmãos. Num mundo governado pelo presságio dos deuses, um templo é o símbolo máximo de poder. Quando um desses três irmãos decide construir o maior templo que já existiu, todas as tribos ao redor acabam sendo arrastada para uma espiral de loucura. No meio disso tudo estão esses três irmãos.
Cornwell ficou amplamente conhecido pelo sua trilogia do Rei Arthur e pela sua saga das Crônicas Saxônicas que ainda está em andamento. As duas características marcantes de sua escrita são a preocupação com a fidelidade histórica e o caráter épico de suas aventuras. Aqui não é diferente, apesar deste momento histórico permitir muito mais que o autor crie livremente, pois existem pouquíssimos relatos factíveis sobre este período. No final da história temos uma longa nota histórica onde ele explica até aonde inventou e aonde começa sua base em fatos históricos. No caso específico desta publicação é possível ver o autor muito mais do que um historiador/pesquisador.
O tema central desta história é a religião, onde a construção do Stonehenge é o evento que move toda a narrativa, mas tematicamente está inteiramente associado a religião e seus efeitos sobre sociedade. Como a maioria das histórias que abordam esse tema, temos a questão de fé, do fanatismo, das diferentes versões de uma mesma crença e como a religião pode ser usada como ferramenta para mover grandes grupos. Tudo isso poderia cair no lugar comum, coisa que diversas outras pessoas já fizeram, mas Bernard vai além do óbvio e realmente faz uma discussão aprofundada sobre a temática.
Stonehenge ao mesmo tempo consegue ser uma narrativa cheia de aventura, ação, reviravoltas e intrigas. O tipo de livro que é difícil de largar e te faz virar páginas sem parar. Em pouco tempo você estará completamente conectado ao protagonista e aos conflitos terríveis que ele vive. Facilmente você vai se pegar vibrando, torcendo e sofrendo com o desenrolar dos fatos. Um livro intenso em diversos níveis. Tanto como romance histórico, aventura e romance.
Assim como em outras obras do autor, temos personagens principais extremamente marcantes. Lengar é um dos vilões mais icônicos e odiosos que você vai ler por um bom tempo. O tipo de antagonista que vai entrar para a sua lista pessoal de grandes vilões. Cambam é tão icônico quanto o Merlin das crônicas Arthurianas. O protagonista Saban é um homem bom que sempre está sendo colocado em situações moralmente ambíguas. Quando nos colocamos em sua pele sofremos muito, pois nada é fácil em sua vida. Entretanto outras figuras menos importantes caem em arquétipos clássicos e isso pode soar meio desconexo. Como num mundo tão realista e moralmente ambíguo podemos ter personagens tão bidimensionais?
É importante salientar que o grau de violência deste livro é no último grau. Você vai se sentir desconfortável em diversos momentos e até mesmo revoltado com os acontecimentos narrados. É possível também que acabe achando que Bernard é machista, pois o estupro é outro tema recorrente e amplamente usado, mas na verdade isso faz parte do seu realismo histórico por vezes extremamente violento. A violência contra a mulher, em diversos níveis, é um perigo constante e a própria discussão do antagonismo entre feminino contra masculino acaba se mesclando na discussão sobre a religião. Na verdade Bernard tem uma preocupação genuína em não degradar a figura feminina simplesmente para chocar seu leitor, e sim para montar o período histórico onde tal história se passa e colocar suas personagens femininas tendo que enfrentar o mundo do patriarcado em que vivem.
A ambientação é muito rica em diversos graus. Parece que cada detalhe deste momento histórico é pensado e colocado para criar o clima tribal desta história. Nunca vi nenhuma outra narrativa, em qualquer mídia, que retratasse tão bem esse recorte pouco usado. Os diálogos por vezes são problemáticos, pois ocorre muita repetição de ideias. Cambam é um exemplo disso. Diversos de seus diálogos terminam da mesma forma e ele repete diversas frases. Se somente ele tivesse essa característica poderíamos considerar isso uma particularidade sua, mas isso corre com diversos outros personagens. “É isso que o deus X quer”, “Precisamos construir o templo” e frases como essa se repetem em excesso.
Um livro perfeito para quem nunca leu Bernard Cornwell, pois é um volume que se fecha em si, mesmo para aqueles que temem embarcar numa trilogia sem saber o que esperar. Stonehenge é uma das poucas obras de ficção onde eu acredito que é realmente possível aprender de forma academicamente precisa sobre História. Você certamente não leu nada parecido com isso, pois a Bretanha tribal é uma temática que não vemos com frequência em nenhum lugar. Stonehenge é uma excelente indicação para quem busca uma grande história e quer aprender algo no meio do caminho. Você não vai esquecer deste livro tão cedo, talvez nunca.
Compre esse e outros livros de Bernard Cornwell pelos nossos links da Amazon e ajude o Tarja Nerd a ir cada vez mais longe!