Tijolômetro – Suçuarana (2024)

O cinema independente nacional consegue abordar temáticas complexas peculiares ao Brasil e lhes dar um olhar subjetivo e cheio de metáforas. Suçuarana, da dupla de diretores Clarissa Campolina e Sérgio Borges, faz uma jornada — literal e figurada — para explorar o lado bom do ser humano em meio a um cenário de devastação.
Dora (Sinara Teles) é uma nômade que há anos percorre um território assolado pela mineração. Seu objetivo na vida é encontrar o Vale de Suçuarana, uma terra misteriosa que guarda a promessa de pertencimento. Porém, a única pista que ela tem sobre a existência desse lugar é uma foto antiga de sua mãe. Durante a busca, a mulher terá a ajuda inusitada de um cachorro que parece guiá-la até uma vila de trabalhadores, mas seu real destino parece cada vez mais longe.
Seguindo os moldes de um road movie, a montagem do filme nos conduz por uma viagem de duração indeterminada através do interior de Minas Gerais e apresenta dois extremos. De um lado, a degradação do terreno causada pela exploração inconsequente de minérios, ressaltada pela fotografia de Ivo Lopes Araújo. Do outro, a demonstração de gentileza e solidariedade de outras pessoas mesmo em um ambiente tão hostil.
No decorrer dessa jornada, vamos construindo o perfil da protagonista, que é movida exclusivamente pelo desejo de encontrar Suçuarana. Isso faz com que Dora, inconscientemente, seja alguém incapaz de criar raízes e laços duradouros com quem quer que seja. Até mesmo as lembranças de quem já cruzou seu caminho são temporárias. Aqui, vale destacar o trabalho da atriz Sinara Teles na composição da personagem, lhe imprimindo personalidade.
Para contar essa trama, a dupla de diretores se inspira no livro A Fera na Selva, do escritor inglês Henry James. Além de motivar a colaboração entre Clarissa Campolina e Sérgio Borges, o personagem central da obra de James também tem um desejo e o persegue, incentivado por uma força invisível que o impulsiona a seguir em frente, tal qual Dora procura pelo misterioso vale.
A partir daí, Suçuarana traça seu próprio caminho e passa a brincar com o realismo mágico na figura de Encrenca. A relação entre Dora e o carismático cachorro flerta com o sobrenatural e desafia a lógica do espectador ao tratar de encontros improváveis. Entretanto, isso é encarado com naturalidade dentro da narrativa, apesar de não utilizar outros elementos que causem o mesmo efeito.
Mantendo a proposta de um projeto contemplativo — de ritmo lento e destinado ao nicho que consome produções independentes — o desfecho aberto dá margem para diversas interpretações e reflexões. Assim, a jornada se mantém mais no campo pessoal, sem feitos grandiosos ou memoráveis. O roteiro também se limita a mostrar a devastação causada naquela região específica, sem apontar os principais agentes da destruição nem aprofundar as consequências da ganância a nível nacional ou mesmo internacional.
Entre o ponto de partida e o de chegada de uma viagem, Suçuarana nos revela que podemos nos deparar com elementos contrastantes que não irão se anular. E mesmo que o cinema independente brasileiro tenha um público específico, o filme mostra à audiência como a dualidade pode estimular a percepção e o entendimento de maneira única e individual, ainda que seu impacto seja passageiro.
Assista ao trailer:
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