Por aquele fora Jonas jamais esperaria. Definitivo daquele jeito não. E, se jamais imaginou um dia estar sendo deixado, menos ainda esperou se sentir tão mal quando acontecesse o fim, se acontecesse.
O relacionamento era cômodo para ele e brutal para ela. Ele sempre soube. Não fazia nada sem consciência. Tinha uma intenção malévola de fazê-la sofrer e de, por vezes, implorar por uma trégua. Ele gostava da sensação de poder que aquelas atitudes garantiam. Mas agora ele estava ali, sentado na varanda da casa, pensando seriamente em como sua vida tornara-se vazia e sem sentido depois que ela decidira partir.
Para Ester não havia sido fácil. Ela e Jonas eram amigos desde a época de colégio. Já na adolescência decidiram namorar. E ainda tinham ambos pouca idade quando se casaram. Ela havia interrompido os estudos. As coisas ficaram ruins já na lua-de-mel. Os filhos, Israel e Isaac, também chegaram relativamente cedo. E ela optara pela vida do lar enquanto ele seguiria seus estudos e cresceria profissionalmente. Quanto mais prestígio profissional ele alcançava, pior marido tornava-se dentro de casa.
O termo mais exato para definir o que Ester passou a viver sob o mesmo teto com Jonas não é outro senão tortura psicológica. Era desrespeitada de várias formas, embora jamais tivesse sido agredida fisicamente… Pelo menos até certo dia.
Ele seguiria seu ritual de tortura até que a morte os separasse, já que por menos que admirasse e respeitasse a mulher, tinha lá suas comodidades domésticas, administradas por ela. Ele jamais se daria conta do quão estava enganado naquele tempo sobre quem, de fato, detinha o poder naquela casa. E ao custo de muito sofrimento saberia, com o passar do tempo, quem sustentava quem.
As coisas tomariam outro rumo numa tarde de domingo quando, recebendo visitas, ele fizera uma crítica ofensiva aos quitutes que ela havia preparado para que fossem servidos aos amigos dele. Tinha sido tudo muito bem-feito. Estavam saborosos os bolinhos, é verdade. Mas foram servidos frios. Temendo não conseguir fazer tudo a tempo, tudo foi feito por ela com antecedência tal que acabaram esfriando muito antes de as visitas chegarem. Diante dos demais presentes, ouvindo críticas severíssimas do marido, ela não reagiu. Mas como dessa vez ele fazia diante de visitas, ela entendeu que passara de todos os limites. Estava suportando demais. E, estando os dois a sós em casa, mais tarde, ela sentiu uma coragem que não saberia jamais de onde vinha e questionou o marido que, indignado com a ousadia da mulher, ameaçou dar-lhe um tapa.
Levar um tapa dele? Apanhar? Já não era o bastante o que vivia até ali? Foi a gota! Algo nela cresceu de forma que ficaria surpresa consigo mesma dali em diante. E no dia seguinte procurou ajuda. As amigas a levariam para suas casas para que pudessem conversar, desabafar… E fazendo com que deixasse de ser segredo o seu histórico matrimonial e dramático, ela foi se dando conta do que permitira até ali. Sair , segundo o que Ester decidiu, era a única solução.
Mas sair como? Sem preparação formal, sem muito estudo, dependendo dele financeiramente, como seria? Buscou resposta para todas estas perguntas entre as amigas, entre as mulheres da família até que chegou a uma terapeuta indicada por uma das irmãs. Pouco tempo depois, havia intensificado a decisão de sair daquele casamento. E sairia bem.
Não foi simples esconder do marido, como quem esconde um amante, que voltaria a estudar. Ela? Estudando? Se ele soubesse ia fazer o quê? Certamente desestimulá-la e talvez até criar dificuldades para frequência dela às aulas. Ela tinha como álibis amigas e familiares. E com o apoio destes, voltou a frequentar a escola. Conseguiria com o tempo ir se desvencilhando das emoções causadas pelo desrespeito ao qual era submetida no cotidiano doméstico. Os filhos viam a mãe sob a ótica do pai, já que era cômodo para eles.
O tempo passou. E não foi pouco tempo. Foram mais de cinco anos desde a decisão de voltar para a escola. Na imaginação do marido, tudo às mil maravilhas. Há muito tempo não sabia o que era ser questionado dentro de casa pela mulher que todas às noites passara a visitar ora a mãe, ora o irmão, ora uma prima, ora o grupinho de amigas da igreja. Jonas admirava-se da própria bondade. Ele não era tão ruim, pensava. Além de não deixar faltar nada dentro de casa, permitia que ela fizesse em paz suas visitas. O fato de vê-la há um tempo, como não acontecia antes, sempre com algo para ler nas mãos, uma curiosidade crescente com relação a coisas que não se preocupava antes, não chamava nenhuma atenção do homem.
Cinco anos se foram. Como no dia em que fora ofendida pelo marido na presença de hóspedes em casa, era também domingo o dia em que ela triunfaria finalmente sobre o marido. Daria o xeque mate logo após preparar o almoço e servi-lo. Excepcionalmente, ela pediu que todos sentassem à mesa. Coisa que quase sempre não conseguia. Pois os filhos se alimentavam diante da TV. Ester esforçou-se em reunir os quatro integrantes da família pois tinha algo importante a dizer. E então anunciou seu desejo de divorciar-se causando no marido uma crise de riso incontrolável e sarcástica. Nos filhos, a reação foi de surpresa… e dúvida. A mãe estaria bêbada? Tinha batido a cabeça?
Ao marido não coube outra reação senão tachá-la de louca e deixar bem clara a certeza de que ele não facilitaria nada caso aquela maluquice fosse levada à sério. Sem nem resquícios da cara de susto, medo ou qualquer reação a qual ele estivesse acostumado, ela levantou-se e foi até a estante da sala. Ela sabia que não poderia esperar dele outra atitude senão ofendê-la e fazer ameaças. Da copa, marido e filhos ouviram o ruído de uma das gavetas sendo aberta e fechada logo em seguida. Em segundos, Ester voltava à copa munida de uma folha de jornal. Abriu a folha e anunciou aos três: