A Marvel cada vez mais se aprofunda em seu próprio universo com Guardiões da Galáxia Vol. 2, traduzindo seu vasto arcabouço galáctico dos quadrinhos em seu próprio jeito de fazer cinema, expandindo todo o seu universo compartilhado nas telonas. Muito conteúdo, referências, espírito de equipe “em família” e humor. Porém esta continuação fica aquém se comparado ao primeiro longa dos heróis espaciais da Marvel. Além de tentar dar um enfoque maior nos coadjuvantes, prejudicando os minutos de tela de personagens importantes e carismáticos como Quill e Groot, faltou aquela pitada a mais de ousadia que vimos em seu filme predecessor.
Com as músicas de Awesome Mixtape 2 de pano de fundo, Guardiões da Galáxia 2 continua a aventura do grupo, enquanto eles ultrapassam os limites do cosmos. Os Guardiões precisam lutar para manter sua recém descoberta família unida, enquanto descobrem os mistérios sobre o verdadeiro pai de Peter Quill (Chris Pratt): Ego (Kurt Russel). A partir deste ponto toda a história se desenrola e somos brindados com uma boa trama de ação e comédia, como o esperado. A trilha sonora consegue manter o padrão do filme anterior, construindo a excelente ambientação de contraste de uma história tecno-espacial ao som de músicas setentistas clássicas, agora ainda mais personificadas com os momentos e sequências do filme.
Desta vez a família é o enfoque principal. Depois do evento contra Ronan no primeiro filme, todos estão mais unidos como em uma verdadeira família e isso é toda hora jogado ao espectador. Agora com o Baby Groot temos a criança que todos ajudam a criar, fechando assim os grandes estereótipos não só de uma equipe, mas também de uma grande família “padrão” de seriados cômicos. Guardiões da Galáxia 2 realmente se coloca como um filme sobre aceitação e família, pois além do próprio relacionamento e dinâmica entre a equipe, presenciamos outros dramas familiares típicos: Peter Quill enfim descobre quem é o seu pai, Gamora (Zoe Saldaña) e Nebulosa (Karen Gillan) estreitam seus laços de amor e ódio fraternais, enquanto Yondu entra na equipe numa espécie de tio rebelde em busca de redenção.
A fotografia e efeitos especiais de Guardiões da Galáxia vol. 2 são verdadeiras obras de arte, a Weta cada vez mais domina esse campo com muito vigor e competência. Logo de cara temos um belo plano sequência em um carro na década de 80, todo o contraste entre o colorido dos planetas e o escuro do universo é muito bem explorado durante as 2 horas e 18 minutos de projeção. A maquiagem, desculpem o trocadilho, é verdadeiramente de outro mundo, como já fora no primeiro filme. Mostrando grande variabilidade nas novas raças e personagens.
Como já mencionado, um outro ponto que a película consegue sustentar muito bem de seu antecessor é a comédia. Temos várias cenas verdadeiramente engraçadas, sendo principalmente protagonizadas pelas dinâmicas non-sense de Drax (Dave Bautista) com a equipe e com a nova personagem Mantis (Pom Klementieff), do azedume de sempre do Rocket (Bradley Cooper), além de toda a dinâmica conflituosa dos Guardiões. Até o motineiro Taserface (Chris Sullivan) contribui bem. Porém sente-se falta de uma participação maior de StarLord em tais momentos de comédia, falaremos mais disto adiante.
As referências cada vez maiores do universo geek também ajudam a construir o clima cômico durante todo o filme, com galã de filme B e game clássico dos anos 80 tais referências foram realmente bem implementadas no roteiro, obtendo altas gargalhadas do público. Sylvester Stallone aparece mais como uma ponta que pode ser explorada mais a frente com os Saqueadores. Apresentar personagens com pontas soltas em poucos segundos é de praxe nos filmes da Marvel, porém Guardiões da Galáxia não apresenta conexão com as joias do infinito e, por consequência, pouca influência para o próximo Vingadores: Guerra Infinita. Porém as cenas pós créditos vem com tudo neste filme, então preparem-se para levantar da cadeira quando realmente estiverem fechando a sala.
Um elemento básico e clichê em histórias de equipes e que também acontece em Guardiões 2 é a “virada de casaca“: Os vilões do filme anterior se tornam aliados no atual. Uma manobra clássica para aproveitar um ou mais personagens já iniciados em outra produção. E foi bem interessante conhecer os motivos de Yondu em raptar Quill e aprofundarmos um pouco mais na relação de Nebulosa e Gamora. Porém, para valorizar tais coadjuvantes, a produção deixou alguns personagens carismáticos com menos minutos de tela e até sem muita relevância. Apesar do plot principal envolvê-lo profundamente, Peter Quill fica num marasmo melo-dramático-familiar que o limita, esvaindo o personagem imprevisível que tinha sido no primeiro filme. Isso fica escancarado no confronto final protagonizado por ele, mostrando muito bem a perda de sua essência de rebolados e danças impactantes contra o vilão. E Groot (Vin Diesel), o personagem mais amado do primeiro filme, fica escanteado como elemento “fofurinha” da história.
Quando saiu a notícia de que Ego seria o pai de Peter Quill muito se foi debatido entre os conhecedores do personagem. Como um planeta conseguiria engravidar uma terráquea? A manobra de fazerem o Celestial, Ego, o planeta vivo, um dos personagens mais estranhos e enigmáticos do universo cósmico da Marvel, pai de Peter Quill foi interessante. Porém a maioria das coisas que envolvia Ego na trama teve um tom levemente forçado, ainda mais com a ideia de família com Quill que o filme quis transmitir e com a obvia segunda intenção do Celestial. Vermos Kurt Russel mais jovem em alguns momentos foi um frescor em nossas memórias e sempre é bom ver um ator tão carismático e icônico de volta ao mainstream, mas infelizmente Kurt e Chris Pratt não mostraram muita química em cena e garantiram as sequências mais chatas do filme, diferentemente dos outros “núcleos familiares”. Yondu e Rocket mandam muito bem no processo de identificação que acontece entre ambos, assim como o relacionamento conflituoso entre as irmãs Gamora e Nebulosa, a invejada e a invejosa. Clichês para todos os lados, mas o filme consegue deixar tudo arrumadinho.
Mas o grande defeito deste filme (logicamente comparado com o primeiro) é a falta de coragem no combate final. Sei que não é fácil inventar a cada película um final ainda mais surpreendente do que uma dancinha de mal gosto para distrair o vilão. Porém esse foi o grande trunfo do primeiro filme e o que deixou em um patamar acima da média comparado a outros filmes da Marvel. O grande embate entre forças no final de Guardiões da Galáxia vol. 2 descaracterizou esse diferencial da franquia: o inesperado. Deixando, após uma reflexão mais elaborada, um gosto pasteurizado de mais um filme da fórmula Marvel.
Guardiões da Galáxia vol. 2 continua sendo uma ótima pedida, conseguindo manter a comicidade e até elevar as narrativas e elementos de roteiro comparado com o primeiro filme da franquia. Porém a falta de um final tão ousado quanto o de seu antecessor e a desvalorização de alguns personagens carismáticos faz com que a sequência fique um ou dois passos atrás do primeiro filme de 2014. Nada que prejudique sua bilheteria mundo a fora, mas que o colocará como mais um filme de heróis no meio de tantos.