Não é de hoje que o cinema argentino vem fazendo o que há de melhor na sétima arte aqui na América do Sul. O Cidadão Ilustre vem pra mostrar que um filme bem pensado e que une o conceito e o domínio de se contar uma história é a formula perfeita para se fazer um filme que vai sobreviver muito mais que o seu tempo de tela.
Daniel Mantovani (Oscar Martínez) é um escritor argentino no auge da meia idade, que foi condecorado com o prêmio máximo da literatura, Nobel. Abrimos o filme com a cerimônia de premiação, Mantovani faz um discurso um tanto quanto subversivo, agradecendo a honraria, obviamente, mas alegando que ali estaria decretado o fim de sua carreira. E nesse discurso percebemos o conceito que o filme quer pregar, não vamos mais uma vez humanizar um gênio e sim entender o caminho que o fez chegar ao seu auge. Veja bem, não é o caminho literal de sua vida, mas sim o caminho de formação da sua obra. Após cinco anos, Daniel se tornou um homem recluso e claramente cansado do processo produtivo e dos compromissos de alguém de sua importância. Em uma reunião com sua secretária para organização de sua agenda de compromissos, vê-se pego pela nostalgia, decidindo assim aceitar um convite para receber o prêmio de cidadão ilustre de Salas, sua cidade natal da qual não visita há quarenta anos.
Em grego nóstos significa retorno. Álgos tem como significado, sofrimento. Temos assim a formação da palavra e do sentido de nostalgia, o sofrimento causado pelo desejo irrealizado de voltar. Motivado por esse sentimento Mantovani volta para a cidade que é o palco de todas as suas obras, não cobrando algo dela, mas sim visitando um velho amigo e com isso achando as motivações que o fizeram sair da cidade. Quando revisitamos algo que há muito não vivenciávamos, tendemos a ser emotivos e tolerantes. É o poder do tempo sobre as coisas. Daniel em um primeiro momento vai aproveitando a magia das circunstâncias, revendo velhos amigos e compreendendo a si mesmo como artista. As coisas começam a ficar estranhas no local e entendemos o porquê do famoso escritor abrigar na cidade apenas seus personagens. A fuga do lugar onde cresceu se torna mais que justificada no longa e com isso entendemos o ciclo criativo de Daniel, o amor à primeira vista e a necessidade da fuga.
Dividem a direção Mariano Cohn e Gastón Duprat e fazem um ótimo trabalho, dando ritmo ao filme e dosando de forma cirúrgica os momentos mais bem humorados e os mais emotivos. No roteiro temos a chave desse longa, Andrés Duprat consegue passar as sensações da leitura de um livro através de seu roteiro, os momentos de silêncio são onde essa obra ganha vida. Arte simples e reflexiva, o maior presente para o público. Oscar Martínez tem uma atuação, sem dúvida alguma, memorável, fazendo o filme girar em torno de seu personagem e nos colocar na história não nos pegando pela mão, mas sim demonstrando muito compromisso com o papel que tinha em mãos.
O fato de uma obra ser simples não impede que seja cheia de significados, simplicidade é uma grande virtude para um artista. A união de uma direção competente, um roteiro que tem muito há dizer e um ator excepcional tornou O Cidadão Ilustre o tipo de filme que consegue se manter em nossas mentes durante muito tempo, e isso é fantástico, é sempre bom pensar em coisas boas.