que faz um filme ser especial? Roteiro? Direção? Interpretações? Existem inúmeras respostas que podem variar de pessoa em pessoa, porém, o fator preponderante que está no fundo de qualquer resposta pretensiosa, é o sentimento que aquele filme lhe causa. Qual a sensação que o filme lhe proporcionou? Alegria, tristeza, medo, introversão… sentimentos trazidos por aquela produção que conta uma história composta por imagens, sons e pessoas. O grande clássico do suspense lançado em 1968, O Bebê de Rosemary, notabiliza-se por causar fortes sentimentos até a quem o assiste nos dias atuais.
Sentimentos, sim, no plural. Pois o filme consegue, de forma exemplar, trabalhar o desenvolvimento de sua trama dentro da cabeça do espectador, que passa a conjecturar os caminhos e mistérios da história e, com isso, projetar suas próprias expectativas a cada sequência. Vivemos um misto de suspense, mistério, terror, drama psicológico e conjugal. A suspeita de que algo a mais esteja acontecendo se mistura com a indignação pela falta de atitude e excesso de ingenuidade de Rosemary Woodhouse (Mia Farrow).
O jovem casal Woodhouse se muda para um espaçoso apartamento de um prédio antigo, com um histórico de acontecimentos estranhos, mas, como também era próximo ao local de trabalho de Guy (John Cassavetes), o casal resolve morar no local. Guy é um ator ambicioso que vive em busca de algum sucesso na profissão, mas nunca conseguiu um papel de verdadeira importância em sua carreira. Já em seu novo apartamento, Rosemary conhece Terry Gionoffrio, uma viciada em drogas em recuperação que um casal de idosos, excêntrico no edifício, os Castevets, assumiram a partir da rua. Poucos dias depois Terry se joga do sétimo andar do prédio, tragédia que aproxima o jovem casal aos Castevets, que se mostram muito enxeridos. Após um maior envolvimento de Guy com o casal, cresce a suspeita de que os acontecimentos estranhos ocorridos no prédio não eram apenas coincidência.
Adaptada do homônimo livro escrito em 1967 por Ira Levin, O Bebê de Rosemary é um marco do cinema de terror e suspense, um dos filmes mais aclamados do famoso diretor Roman Polanski. A produção aborda temas que eram medo e fascínio na década de 60: conspirações, seitas, bruxaria, anagrama e, claro, o suspense. Foi o primeiro trabalho de Polanski em Hollywood (mais a frente falaremos mais dele). O Bebê de Rosemary consegue mexer com as emoções do espectador, deixando no ar as suspeitas com relação ao prédio e os acontecimentos que ocorreram lá através dos relatos e pesquisas de Hutch (Maurice Evans), um amigo do casal Woodhouse. Rosemary está à deriva em seu novo apartamento, com sonhos enigmáticos e assustadores, ao mesmo tempo que as coisas começam a melhorar de forma estranha para Guy, passando a progredir em seu trabalho através das desgraças de seus concorrentes, enquanto sua amizade com Roman Castevets (Sidney Blackmer) se fortalecia cada vez mais. Levantando suspeitas ao espectador de que não eram apenas coincidências que estavam acontecendo, porém tais suspeitas não foram tão obvias assim para “Ro“, como Rosemary era carinhosamente chamada por Guy.
O terror de O Bebê de Rosemary não é de dar sustos, ou nos mostrar figuras assustadoras a todo momento, apesar da cena do “sonho da gravidez” aparecer um ser extremamente perturbador. O filme trabalha o terror psicológico, com mistérios tão explícitos e, ao mesmo tempo, tão incômodos de acreditar. Gerando assim emoções durante o longa, ou melhor, sentimentos inquietantes, através, basicamente, de dois elementos dentro do roteiro, que criam uma narrativa que deixa o thriller do filme tão marcante: A suspeita do complô e a perturbadora ingenuidade de Rosemary, fazendo-nos acompanhar toda a construção do abalo mental de mesma. A narrativa e enredo do filme é costurado para que observemos aos poucos o enfraquecimento da sanidade da protagonista.
É normal sentirmos uma certa irritação pela mocinha de um filme de terror, até porque, com suas atitudes impensadas é que surgem o desenrolar dos acontecimentos, porém com “Ro” o incomodo é diferente. É pertubador acompanharmos uma personagem tão fragilizada psiquicamente, aliada com uma cultura machista tão presente na história. Rosemary não tinha liberdade nem de escolher seu próprio obstetra, pois quem pagava a conta era o seu marido. Vivia à espera de Guy chegar em casa para pode servir-lhe sua comida. Coisas que poderiam ser comum na década de 60, mas que hoje ajuda a construir todo um plot perturbador de um grande minguamento da personalidade de Rosemary. A cena do “estupro” no “sonho”, que gerou a famigerada gravidez, e seus desdobramentos na manhã seguinte, são aterrorizantemente cruéis com a mente da personagem, e, por consequência, para a do espectador, que se sente inquieto com essa crescente diminuição do ego de Ro.
Isso já era suficiente para criar um bom envolvimento ao drama da protagonista, porém, esse sentimento une-se com o medo do desconhecido: livros de bruxaria, anagramas, cânticos no outro apartamento, toda uma suspeita que cresce e cria uma redoma de solidão em Rosemary, que se vê sem voz ativa em sua gravidez e em sua própria vida. Ela vai definhando ao longo dos meses de gestação, alimentando a ideia de que realmente não era uma gravidez de um bebê normal, como afirmava seu suspeito médico. Toda essa construção vai nos trazer a catarse do final do filme, quando Rosemary, privada de toda sua força e personalidade e aluída de grande surpresa e decepção, se entrega ao único sentimento que ainda lhe resta, o sentimento de ser mãe e a continuar a balançar o berço de seu filho.
Interessante observarmos que todo o filme tenta construir um terror maior dentro da mente do espectador do que na projeção em si, tal ambição é consagrada de forma brilhante no desfecho do último ato, quando não nos é mostrado a forma do Bebê de Rosemary, que, embora a mãe nunca tenha definido um nome exato ao longo do filme (o que reforça seu minguamento psíquico), é nomeado Adrian pela congregação de bruxos que estavam no salão do berço. Adrian, para nós, é apenas descrito com braços e pernas assustadoras e olhos vermelhos demoníacos, que pertenciam ao seu pai, Satã. Ficamos presos na liberdade de nossas mentes para imaginar a imagem de Adrian, mas, posteriormente, em 1983, contamos com a ajuda da banda heavy metal Black Sabath, em seu disco Born Again, para ajudar a remontar a imagem do famoso bebê de Rosemary como referência.
Polanski se consolidou entre os grandes cineastas da época com O Bebê de Rosemary. O ex-ator polaco já fizera anteriormente um certo nome como cineasta em filmes na Polônia e Inglaterra, ganhando alguns prêmios relevantes, como uma nomeação ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro em 1963, com Faca na Água, e, com a parceria com o roteirista Gérard Brach, conseguiu ganhar um Urso de Prata e um Urso de Ouro com Repulsion (1965) e Cul-de-Sac (1966), respectivamente.
Em O Bebê de Rosemary o próprio Polanski não só dirigiu, como também escreveu o roteiro. No ano seguinte ao lançamento do filme, sua esposa (Sharon Tate), grávida de 8 meses, e mais alguns amigos, foram brutalmente assassinados pela gangue Manson. O que levou Polanski a se afastar da América, até sua volta em 1974, quando lançou outro sucesso Chinatown. Polanski parecia decolar em sua carreira com grandes filmes, mas logo depois fora condenado por estupro de uma adolescente de 13 anos, fato que o fez fugir dos EUA, afim de evitar sua prisão. Ainda assim, o diretor refugiado continuou a produzir de forma intermitente, ganhando o Oscar de Melhor Diretor em 2002, com o filme O Pianista.
O Bebê de Rosemary conquistou o Oscar de Melhor Atriz Coadjuvante de 1969, através da atriz Ruth Gordon, que interpretou Minnie Castevets. A fama e influencia do filme perdura até os dias de hoje, como um grande filme de terror e suspense. Tentaram uma continuação em um filme para TV em 1976, mostrando a ascensão de Adrian como o anti-cristo, porém, mesmo contando novamente com Ruth Gordon no elenco, foi fracasso de crítica tanto para os especialistas quanto para o público, sendo esquecido através dos anos. Já fora cogitado um remake na década de 2000 com a direção de Michael Bay, mas, felizmente, a ideia morreu. Mesmo após quase 50 anos, O Bebê de Rosemary continua vivo nos imaginários de qualquer apreciador da sétima arte.
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