Muitos podem estranhar essa resenha fora de hora (5 meses depois da estreia nos cinemas brasileiros) de Warcraft – O Primeiro Encontro de Dois Mundos – eu mesmo estranharia. Apenas consegui assisti-lo agora, passado o citado tempo devido a minha baixa disposição em assisti-lo nas caras poltronas do cinema. E quero deixar bem claro que analisarei a adaptação como um longa-metragem por excelência, deixando de lado a história base do game tão aclamado mundo a fora e que eu – como um péssimo gamer – não conheço bem.
Comecemos pela sinopse da produção: Warcraft, é um filme baseado no universo do game World of Warcraft, acompanha o conflito gerado pelo primeiro contato entre orcs e humanos, mostrando os dois lados da história. De um lado está Anduin Lothar (Travis Fimmel), o personagem principal da Aliança, que sacrificou tudo para manter salvo o povo de Azeroth, e do outro Durotan (Toby Kebbel), o principal personagem da Horda, nobre chefe do clã Frostwolf, que batalha para salvar seu povo e sua família da extinção.
A intenção inicial do filme é excelente: Acompanhamos os clãs de orcs reunidos (a Horda) em seu planeta de origem, sendo convocadas à invasão – e à guerra – ao mundo dos humanos (Azeroth) através de um portal dimensional criado através da extração de almas tomadas por Gul’dan, um bruxo Orc sinistro que coordena as ações da Horda. Neste início acompanhamos ainda mais de perto Durotan – como já dito – o chefe do clã Frostwolf, que se vê em um drama particular no meio de todo o exército de orcs: Além dele ser um dos poucos de seu povo que questiona a liderança de Gul’dan, sua esposa Draka está a beira de parir o primeiro filho do casal.
A intenção de criar um vínculo entre orcs – geralmente vilões – com o espectador é realmente interessante, já que estamos tão acostumados a histórias dicotômicas entre o bem contra o mal, herói contra vilão, humano contra monstro. E aqui – neste princípio de trama – o propósito é entendermos o porquê da motivação dos orcs para tal ato de invasão, tentando legitimá-lo. Essa intenção de Warcraft é boa, mas a execução é falha. O filme apesar de mostrar a questão familiar de Durotan, não nos apresenta Draenor, o planeta natal dos orcs, que está se extinguindo e obrigando-os a buscar sobrevivência em um outro mundo. O espectador toma conhecimento deste fato depois de muitas oportunidades não aproveitadas, durante uma fala no meio do filme, após muita coisa já acontecida. Mas os verdadeiros problemas da produção ainda estão por vir.
Ainda no primeiro ato conhecemos Azeroth, o mundo humano de pompa e glamour com cidades medievais imponentes e com nomes de respeito – que os fãs tanto visitam e imaginam no game – porém sem muita contextualização dentro do filme. Muitos personagens e locações nos são apresentados nesse momento: Rei, rainha, magos, anões, elfos, cavaleiros, etc. surgindo um atrás do outro com cenas rápidas e cortes bruscos. O espectador além de não conhecer o mundo tão rico de WoW, também não consegue simpatizar com estes personagens humanos apresentados como numa curta e batida colcha de retalhos. O ritmo é muito acelerado para quem quer introduzir nos cinemas não só um mundo, mas um universo inteiro ainda desconhecido do grande público. Particularmente, como um não conhecedor prévio do universo WoW, fiquei atordoado com tantas coisas apresentadas de forma apressada e gratuitas no filme.
Vamos enfim ao problema mais sério do longa: Os personagens. Se nem mesmo com Durotan, a aposta de personagem mais cativante do filme, conseguimos criar grande vínculo, imagine com os outros. Nenhum humano possui a mínima construção adequada para nos importarmos com eles, e isso é um erro crasso de direção. Anduin Lothar – o Ragnar Lothbrook de Vikings – o paladino da história, guerreiro experiente, fiel ao seu rei – seu cunhado – e também amigo do Guardião (Ben Foster). Ele tem a obrigação de liderar a defesa contra os orcs, o que o faz muito bem na batalha campal, conseguindo lutar em ótima forma contra os orcs do dobro do tamanho dele, derrotando vários inimigos gigantescos com a lâmina de sua espada e sua desproporcional armadura. “Eles são fortes, mas somos mais inteligentes“, é a explicação dele para conseguir derrotá-los numa batalha corpo a corpo onde impera na força bruta – Se quiserem realmente dar uma explicação que não seja através de canetada para isso, então mostre ele usando a inteligência e estratégia para derrotar os orcs. A perda de seu ente querido não toca em nada o espectador – que não consegue se importar com tal personagem adicionando corridamente na história – fazendo todos aqueles minutos não serem aproveitados para a criação de uma empatia maior do público com o personagem em foco.
Há também a Garona (Paula Patton), uma personagem mestiça – meia-orc – sobrevivente de temperamento forte que é mantida cativa pela Horda e também, ao longo do filme, pela Aliança. Há um “crush” mal construído entre ela e Lothar, sem realmente nos convencer do porquê de tal paixão improvável – ainda mais porque ela foi responsável indireta pela forte perda do guerreiro.
O Rei (Dominic Cooper) e a Rainha (Ruth Negga) – mesmo casal de Preacher – são vírgulas sem importância em um texto fraco. Inclusive o espectador não consegue acreditar que essas pessoas são a realeza de Stormwind, devido a tal pouca relevância na trama – Até fiquei com a pulga atrás da orelha imaginando que teria alguma coisa por trás de tal irrelevância, porém era incompetência de roteiro, apenas. Mas o que mais me incomodou nesse roteiro foram a subaproveitamento da magia e dos magos desse mundo, na verdade os dois que são apresentados: O Guardião Medivh que tem poderes visualmente legais e alguns “overreacting” realmente desnecessários; e o aprendiz Hadggar (Ben Schnetzer), um talentoso jovem mago que tivera abandonado os estudos em busca da verdade. A relação de ciúme entre eles não faz sentido pois não é construída no filme – um treina o outro, então porque o mestre vê o discípulo como um usurpador?.
A magia é um elemento essencial à história do filme – e é o que mais nos chama atenção tanto pelos efeitos visuais dela, quanto pela curiosidade de saber mais como a mágica funciona nesse mundo. Como é um treinamento de um mago? Quem é apto a se tornar um? O que se pode fazer com essa magia? Perguntas que o espectador de faz durante o longa e que em nenhum momento Warcraft faz questão de dar algum vislumbre. Ou seja, além da produção fracassar na construção de personagens, numa evolução de personalidade deles e também na simples criação de vínculo com o espectador, o filme peca ainda mais gravemente não só por mostrar retalhos mal contados do universo WoW como também subutilizar os elementos mais fascinantes do filme – e possivelmente da franquia – que é a Magia.
Com a direção do cineasta Duncan Jones (de Lunar e do excelente Contra o Tempo), filho do icônico cantor David Bowie, Warcraft – O Primeiro Encontro Entre Dois Mundos impressiona pela qualidade visual e efeitos especiais. O design dos Orcs estão impressionantes e impecáveis, com peso e textura, além dos efeitos da magia estarem realmente bonitos e conquistadores. Porém o filme peca em diversos pontos já comentados aqui durante o texto: Apresentação, ritmo, desenvolvimento e personagens; elementos típicos de problemas no roteiro e na direção do filme. Me deixando com consciência limpa de não ter visto este longa nas caras salas de cinema.
Warcraft – O Primeiro Encontro Entre Dois Mundos fracassa na primeira tentativa da Blizzard em adaptar uma de suas boas histórias dos games para os cinemas. Apresentando pobremente o rico universo de WoW e suas nuances. Com problemas sérios de roteiro e direção, o filme peca em vários elementos necessários para se fazer um bom filme. Porém o maior erro da adaptação é realmente não estabelecer uma conexão aceitável entre espectador e personagem, nem mesmo com Durotan, o melhor deles. Os acontecimentos da trama pede uma empatia maior dos personagens para que tais fatos e mortes fossem relevantes à experiência do publico em assisti-lo, não conseguindo pavimentar o caminho para novos filmes da produtora.