Não é segredo que Carlos Ruiz Zafón é um de meus escritores favoritos. Saber de sua morte precoce em 2020 foi um choque que me provocou um sentimento de perda por perceber que nunca mais voltaria à Barcelona mágica que só ele era capaz de pintar com suas palavras. Porém, A Cidade de Vapor me possibilitou retornar pela última vez à Cidade dos Malditos em 11 contos de mistério, fantasia e drama que vão muito além de uma obra póstuma, sendo também um consolo final para todos os seus leitores.
Todos os contos nos levam a lugares ou personagens conhecidos para quem já leu O Cemitério dos Livros Esquecidos. Logo nos dois primeiros reencontramos uma das figuras mais marcantes de toda a saga: David Martin. Na primeira história, Blanca E O Adeus, temos um vislumbre da genialidade de Martin misturada ao fardo que ele carrega ao conhecer Blanca, sua primeira amiga da infância. No segundo, Sem Nome, uma triste visão de seu passado que poderia explicar parte de seus traumas e infortúnios ao longo da vida. Isso só faz aumentar a empatia por Martin que, desde O Jogo do Anjo, é meu personagem favorito da série.
Uma Senhorita em Barcelona carrega melancolia ao narrar a trajetória de um pai que vende a própria filha até que esta perca sua identidade e viva à base de farsas e fingimentos até encontrar sentido em sua vida. Os caminhos de pessoas infelizes e com problemas parecem se convergir em uma atmosfera pesada que não tem nada de sobrenatural, mas ainda assim parece ser irreal.
Quem sempre teve vontade de ler uma das histórias escritas por David Martin pode matar essa curiosidade com Rosa de Fogo, um dos relatos que ele contava para seus companheiros em Montjuïc. Esse conto é um dos meus favoritos pois mistura fantasia e aventura com a origem de um dos cenários mais emblemáticos de toda a saga do Cemitério dos Livros Esquecidos.
Já O Príncipe do Parnaso se vale de um personagem histórico para fazer a releitura da carreira de um dos mais célebres escritores espanhóis: Miguel de Cervantes. Através de elementos sobrenaturais e um personagem conhecido de outros livros, Zafón reconta como o autor de Dom Quixote alcançou a fama e qual preço precisou pagar para isso. Sem dúvidas é uma bela homenagem de um escritor espanhol para outro com um desfecho emocionante.
Em seguida, uma obra curta para permitir que os leitores respirem. Lenda de Natal se sustenta na atmosfera sombria e sobrenatural de Barcelona, lembrando muito a Trilogia da Névoa ao apresentar um homem solitário que apostava toda sua fortuna contra a alma de seus adversários em uma partida de xadrez. A conclusão dá margem para algumas interpretações do que poderia de fato ter acontecido com os personagens envolvidos e impacta mais pela narração do que qualquer outro aspecto.
Alicia, Ao Amanhecer e Homens Cinzentos retratam um período obscuro na história da Espanha ao se passarem na época da Guerra Civil Espanhola. O primeiro mantém um tom mais subjetivo em sua interpretação, enquanto o segundo se assemelha mais a um mistério policial com reviravoltas. Iniciei a leitura destes achando que teria relação direta com O Labirinto dos Espíritos, mas fora o contexto semelhante, são contos independentes.
Uma das características que admiro na escrita de Zafón é a capacidade de misturar fantasia e realidade de forma que os dois se confundem e não conseguimos separar o que é fato do que é delírio no dia a dia dos protagonistas. A Mulher de Vapor e Guadí em Manhattan são dois bons exemplos disso ao desafiar nossa mente a compreender o que acontece com seus personagens. O segundo conto ainda reconstrói a vida do arquiteto espanhol Antoni Gaudí e cria uma aura mística em torno de suas obras.
Por fim, o último conto foi o que menos gostei, mas isso não significa que seja ruim. Apocalipse em Dois Minutos é bem reflexivo e não dá uma resposta exata e racional para os acontecimentos que se desenrolam. Contudo a escolha de encerrar o livro com essa obra dá um caráter conclusivo ao compilado como se realmente tivéssemos chegado ao fim da jornada por Barcelona e todos os seus mistérios.
A Cidade de Vapor era o livro que todos os fãs de Zafón precisavam para se despedir devidamente dele. Ao mesmo tempo em que, durante a leitura, senti um sabor incômodo de adeus, também percebi um toque nostálgico que convida a revisitar Barcelona diversas vezes através dos escritos do autor que, apesar de poucos, estarão sempre aí para nos lembrar da magia de sua narrativa.
Adicione este livro à sua biblioteca!
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