Um dos grandes títulos do Oscar 2024 certamente foi Zona de Interesse, uma obra que a princípio parece ser simples, mas que esconde do outro lado do muro um dos momentos mais sombrios da humanidade. E a forma como o diretor Jonathan Glazer trabalha esse contraste gritante de maneira tão subjetiva demonstra perfeitamente o conceito da banalização do mal. 

A trama é baseada no livro homônimo escrito por Martin Amis e acompanha uma família alemã levando uma vida tranquila e bucólica em sua residência, cuidando dos jardins e passeando com as crianças para pescar e tomar banho de rio. Tudo seria perfeitamente normal se essa família não vivesse ao lado de Auschwitz em plena Segunda Guerra Mundial e se o homem da casa não fosse Rudolf Höss (Christian Friedel), o comandante desse campo de concentração. 

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O incômodo que Zona de Interesse causa é justamente o conhecimento prévio dos espectadores sobre o que está acontecendo do outro lado dos muros da família. Enquanto vemos os Höss vivendo seu cotidiano com as crianças brincando, a mãe coordenando os afazeres domésticos e o pai indo trabalhar, todos sabemos que milhares de judeus estão sendo assassinados bem ao lado. 

Essa indiferença diante de tal atrocidade expressa bem o conceito de banalidade do mal desenvolvido pela filósofa Hannah Arendt nos anos 1960 em seu livro Eichmann Em Jerusalém. Explicando brevemente, para Hannah o nazismo não carregava uma maldade enraizada dentro de si, mas ela ocorria de forma burocrática devido à ausência de senso crítico por parte dos próprios nazistas e do povo alemão como um todo. Em outras palavras, eles estavam apenas “cumprindo ordens” sem refletir sobre elas. 

Então, o contraste visto no filme entre a família feliz tomando banho de piscina no jardim colorido e o campo de concentração cinzento ao fundo, com suas chaminés trabalhando 24 horas por dia, é realmente perturbador quando se tem essa noção de certo e errado. E as atuações do elenco principal reforçam ainda mais essa banalização do Holocausto feita pelas pessoas “comuns”, especialmente a de Sandra Hüller como Hedwig Höss, cujo único interesse é permanecer na casa em que tanto trabalhou para chamar de lar. 

Zona de Interesse foi indicado em cinco categorias do Oscar (inclusive Melhor Filme) e levou duas estatuetas para casa: Melhor Filme Internacional e Melhor Som. Esta última merece destaque, pois o som neste longa é um personagem invisível, porém com presença constante. Ao mesmo tempo em que os Höss estão em uma realidade, os sons revelam a existência de outra completamente diferente, com gritos, tiros, gemidos de agonia e até o silêncio sombrio da morte. 

Em paralelo, Jonathan Glazer experimenta algumas cenas metafóricas, como se fossem imagens de raios-x de pessoas que não estão indiferentes à situação dos judeus. Além disso, há um contraponto com o presente que é o golpe final no público, revelando que essa apatia ainda existe até hoje, só que de outras maneiras. 

Zona de Interesse mostra de um jeito bem desconfortável a necessidade de ter o olhar crítico para determinadas circunstâncias. Caso contrário a banalização que vemos em tela pode ocorrer à nossa volta sem que nós percebamos a tempo e a história volte a se repetir.

Assista ao trailer:

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Zona de Interesse (2023)

9.0 Ótimo!
  • Nota 9
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Mozer Dias

Engenheiro por formação, mas apaixonado pelo mundo da literatura e do cinema. Se eu demorar a responder, provavelmente estou ocupado lendo ou assistindo a um filme.

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