Na sociedade, quem é classificado de acordo com alguma ideia preconcebida e generalizada pelo senso comum sofre quando tenta sair fora do “padrão”. É como se a pessoa só pudesse ser vitoriosa de acordo com as regras de algum maldito jogo social no qual todos os papéis estão definidos e sem chance de mudança. É o que vemos em American Fiction, uma sátira que diverte e propõe reflexão sobre isso apesar de não se aprofundar o suficiente e ter um encerramento anticlimático para uma história que teria tudo para ser genial.

Baseado no livro Erasure, de Percival Everett, o longa conta a história de Thelonious Ellison (Jeffrey Wright, de Batman), ou simplesmente Monk, um escritor negro brilhante que não é popular já que se recusa a retratar negros de forma estereotipada em seu trabalho. Com dificuldades financeiras e problemas familiares, ele cria uma obra comercial carregada de preconceitos como piada e vira um sucesso.

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Com direção e roteiro de Cord Jefferson, American Fiction têm 5 indicações para o Oscar 2024: Melhor Filme, Melhor Roteiro Adaptado, Melhor Ator, Melhor Ator Coadjuvante e Melhor trilha Sonora. Entre essas categorias, vale destacar um comentário sobre aquelas relacionadas a atuação, mas por motivos diferentes. Isso ocorre porque o protagonista vivido por Jeffrey Wright carrega com segurança a interpretação de um escritor que vive seu dilema de forma introspectiva e ao mesmo tempo intensa enquanto Sterling K. Brown transita entre drama para humor com extrema facilidade e de forma natural. Em cena, o talento de ambos contribui muito para a narrativa como um todo.

Outra característica marcante do filme está na discussão sobre como o mercado literário e até a indústria do entretenimento mercantilizam o estereótipo racial negro na ficção, o que é reforçado pela crítica feita também ao público que a consome e dá relevância a isso. Desse modo, não é à toa que Thelonious Ellison reforça seus comentários negativos a respeito do absurdo que é ver sempre histórias clichês da “realidade do gueto” ou sobre o sofrimento negro serem as únicas a ganhar destaque. Esse é o caso tanto de “Fuck” (“Porra” na versão dublada), publicado através do seu pseudônimo que se torna um best-seller com direito de ser adaptado para o cinema, como da obra da autora Sintara Golden (Issa Rae) que se destaca em um evento justamente por utilizar os mesmos estereótipos.

No entanto, apesar da criatividade na hora de trabalhar a sua sátira o roteiro não a aprofunda além da superfície nem mesmo no melhor momento possível que é quando os dois escritores se encontram para participar de um evento literário. Algo que também impede American Ficition de ser ainda mais memorável e até genial é a sua dificuldade em entregar um final interessante, algo que nem um exercício metalinguístico feito durante um diálogo com o produtor Wiley (Adam Brody, de Shazam)  consegue salvar realmente.

Além disso, o filme tenta equilibrar sem muito sucesso as tramas envolvendo as dificuldades financeiras do protagonista e da sua família com a sua ascensão absurda como escritor. Isso até certo ponto contribui para a narrativa e faz com que o público entenda as motivações do escritor, mas infelizmente ocupa tempo demais de tela sobrando pouco espaço para enfatizar ainda mais a crítica principal. É como se o roteiro se perdesse no meio do caminho ou então desse algum passo para trás.

Apesar de optar pelo drama pessoal ao invés de dar mais acidez a seu humor, American Fiction ainda deve ser lembrado pelo mérito das suas indicações, principalmente para aqueles referentes ao seu elenco bem escolhido. Não só isso como também marca a estreia de um diretor e roteirista que pelo menos dessa vez deu o recado que queria mesmo sem a profundidade necessária e um encerramento marcante.

Assista ao trailer de American Fiction:

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American Fiction (2023)

8.0 Muito bom!
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Marcus Alencar

"Palavras importam! Uma morte, uma ondulação e a história mudará em um piscar de olhos"

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