Não é de hoje que o ator Steve Carell, que ficou famoso como comediante atuando em The Office e O Virgem de 40 anos, vêm apostando em papéis dramáticos. Suas atuações em Querido Menino, Foxcatcher e Pequena Miss Sunshine são um exemplo disso e mostram que ele consegue explorar o drama tão bem quanto a comédia.

No novo thriller psicológico, O Paciente, temos mais uma vez a certeza de que Carell tem um vasto repertório artístico que lhe permite encarnar qualquer personagem e entregar uma atuação mais do que convincente.

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A série O Paciente estreou nos Estados Unidos em agosto de 2022, mas só chegou ao Brasil em dezembro passado, através do canal de streaming Star+.

Nela acompanhamos a jornada de Alan Strauss (Steve Carell), um psicólogo experiente, já com anos de profissão e autor de um best-seller de autoajuda que se vê em uma situação desesperadora quando um dia acorda e está acorrentado ao chão, num quarto desconhecido. Logo fica claro que ele está ali, sequestrado e mantido em cárcere privado por um de seus pacientes, Sam, interpretado por Domnhall Gleeson (indicado ao Globo de Ouro). Sam é um serial killer que luta contra seus instintos assassinos, mas não conseguia se abrir verdadeiramente no consultório do terapeuta. Passava as sessões divagando sobre música e comida até que Alan sugere que Sam não progredirá enquanto não for mais honesto em suas sessões. A brilhante ideia daquele jovem perturbado é sequestrar Alan e o prender no porão de uma casa no meio do nada. Sem escolha, Alan passa então a tratar o paciente e nos momentos de ociosidade reflete sobre sua vida.

Através de flashbacks conhecemos mais da vida do terapeuta. Ele está de luto por sua esposa e luta para resolver o relacionamento tumultuado com seu filho, que rompeu com o judaísmo tradicional e liberal da família para se converter ao judaísmo ortodoxo.

Muitos momentos de O Paciente acontecem no quarto em que Allan está preso, e muito disso envolve apenas Alan e Sam conversando. Eventualmente, seguimos Sam para o mundo além de seu porão, e algumas outras pessoas aparecem na casa – às vezes com a ameaça de não saírem de lá com vida.

Sam se mostra educado na maior parte do tempo, mas tem um olhar inexpressivo e pouca ou nenhuma empatia. Muito longe dos assassinos carismáticos de Hannibal ou Dexter, Sam apresenta uma linguagem corporal desajeitada de um adolescente que cresceu demais e não sabe onde enfiar as mãos. Às vezes ele explode de raiva, mas com mais frequência apresenta uma calma que beira a apatia.

Ao longo dos episódios a história pregressa de Alan vai se revelando e é ele quem verdadeiramente acaba tendo momentos terapêuticos e reflexivos. Os conflitos paternos, a questão religiosa e a aceitação das circunstâncias e das escolhas de cada um são temas bastante abordados e que acabam refletindo nos rumos que a terapia toma. Enquanto Alan tenta fazer Sam entrar em contato com sua humanidade, ele se vê pensando mais em seus próprios fracassos e no preço que pagou por eles. Parte da jornada interior de Alan é representada pela introdução de Charlie (David Alan Grier), seu ex-terapeuta, que ele gosta de revisitar em sua mente em momentos de intenso estresse. Suas sessões imaginárias são inspiradas e invertem a dinâmica dos encontros de Sam-Alan. Em suas próprias sessões de terapia, Alan se solta e não aparece tão emocionalmente controlado; ali ele pode chamar Sam de psicopata e revelar seus medos, e no processo o personagem revela camadas mais profundas de sua humanidade.

Mas O Paciente nunca mergulha tão profundamente na psicologia de Sam. Ele aparece a princípio como um jovem raivoso com ressentimento contra a sociedade decorrente de seu passado abusivo, mas nossa imagem dele nunca se torna muito mais complexa, não importa o quanto Alan tente investigar a natureza da compulsão mortal de Sam.

Claro que Alan tenta usar de todos os recursos que possui como terapeuta para convencer Sam a deixá-lo ir embora e chega a pensar em resoluções dramáticas para a situação, mas nada nos prepara para a resolução final da história.

Algo que chama a atenção é a maneira como acabamos torcendo por uma resolução não violenta da situação. Esse desejo vem não de uma simpatia por Sam, mas de solidariedade para com Alan, tão brilhante e compassivo que queremos vê-lo triunfar, não só saindo dali com vida, mas também obtendo sucesso na terapia conseguindo aliviar os sintomas de seu paciente.

Com sua premissa mórbida e intrigante, O Paciente causa uma explosão de sentimentos e emoções, desde a raiva até a compaixão, cheio de tensão psicológica e suscitando reflexões. Mesmo que não estejamos acorrentados em um quarto ou presos à instintos assassinos todos nós temos nossas prisões interiores ou exteriores que podem ser amenizadas se conseguirmos mergulhar fundo dentro de nós mesmos, independente das circunstâncias. Porém é notável que Alan, que estava acorrentado, tenha conseguido se libertar muito mais do que Sam, que estava livre e com um terapeuta sempre à disposição para tratar seus fantasmas, mostrando assim que o pior encarceramento sempre é o da mente.

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O Paciente (1ª temporada)

8.0 Ótimo!
  • Nota 8
  • User Ratings (1 Votes) 9.5
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Juliana Dacoregio

"É curioso como as cores do mundo real parecem muito mais reais quando vistas no cinema" (Laranja Mecânica)

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