É impossível pensar na cultura pop dos anos 80 sem pensar em Steven Spielberg, afinal o diretor ajudou não só a construir como também a consolidar verdadeiros ícones que figuram como pilares no Panteão de qualquer Nerd. E.T., Indiana Jones, Os Goonies… De alguns anos pra cá, no entanto, Steven Spielberg veio numa onda de filmes mais soturnos, de temas mais dramáticos (Lincoln, Ponte dos Espiões, Cavalo de Guerra), deixando um pouco de lado aquele tom irreverente típico dos bons contadores de histórias (à exceção de As Aventuras de Tim-Tim), cujo objetivo é entreter e magnetizar o público.

Quando achamos já havia sido decretado Game Over para aquele Spielberg que assinou tantos filmes divertidos nos anos 80, eis que o diretor insere nova ficha nesse brinquedo fantástico chamado “cinema” e dá Continue ao jogo de conceber blockbusters divertidos, visualmente impressionantes, com uma trilha sonora memorável e, o mais importante, com uma boa história a ser contada. Foi isso o que aconteceu na nova película do diretor: Jogador Nº 1, inspirada no romance homônimo de Ernest Cline.

A escolha de palavras aqui não foi por acaso. O que o espectador verá na telona não é uma adaptação cinematográfica fiel ao livro de Cline, e sim uma história contada a partir de uma inspiração adquirida do livro. Essa distinção entre inspiração e adaptação lembra, em certa medida, o que aconteceu com outra obra cinematográfica icônica dos anos 80: Blade Runner – O Caçador de Andróides. O longa dirigido por Ridley Scott é de tal modo diferente da obra literária que lhe serviu de base (Andróides Sonham Com Ovelhas Elétricas, de Philip K. Dick), que o filme se tornou praticamente uma obra independente do livro.

Zak Penn e o próprio Ernest Cline roteirizam a nova película de Spielberg. Por volta de 2040, o mundo se torna uma distopia das mais tenebrosas: pobreza generalizada, fome, desemprego e domínio absoluto das mega-corporações são alguns dos elementos que compõem esse cenário hostil à sobrevivência, sendo que, anos antes, James Halliday (Mark Rylance), um famoso desenvolvedor de video-games, criou o OASIS, uma mega-plataforma de realidade virtual que tomou proporções cada vez maiores, de modo que as pessoas passaram a usá-la para suas atividades diárias, como trabalhar, estudar, praticar exercícios, trocando “realidade real” pela realidade virtual. Halliday, no entanto, morre sem deixar herdeiros, deixando uma mensagem para todos os usuários do OASIS de que ele havia deixado “pistas” escondidas em seu vasto universo virtual, e o primeiro que decifrasse tais pistas se tornaria o legítimo herdeiro do OASIS. Por ser um Nerd criado na culura pop dos anos 80 e 90, era imprescindível conhecer esse arsenal cultural para decifrar o enigma de Halliday, e é aí que conhecemos Wade Watts (Tye Sheridan), um adolescente pobre, Nerd, e obstinado a encontrar o Easter Egg de James Halliday… isso se ele conseguir sobreviver às investidas das várias forças poderosas interessadas na fortuna prometida pelo OASIS.

Spielberg sempre foi uma referência em se tratando de efeitos especiais inovadores (lembra das pessoas embasbacadas com os dinossauros recriados em Jurassic Park?! Então…), e em Jogador Nº 1 os efeitos especiais são tão importantes que se tornam praticamente um personagem no filme, afinal a maior parte da ação se desenrola no universo virtual do OASIS. Personagens de games, filmes, séries, desenhos, veículos, cenários, etc, tudo para enriquecer a experiência do expectador e servir como catalisador para a história que estava sendo contada. Muito se especulou sobre a possibilidade de o filme se tornar um grande passatempo pela busca de easter eggs e referências da cultura pop, deixando a trama em segundo plano, mas nessas horas o talento de um diretor como Spielberg faz a diferença: usando as referências da cultura pop (de Battletoads a O Iluminado), efeitos especiais desconcertantes e uma trilha sonora com músicas iônicas dos anos 80, Spielberg enfeita à sua maneira uma história cuja premissa básica é nada menos do que a velha conhecia “jornada do herói”.

Tye Sheridan encarna Wade Watts que funciona, criando um carisma com o público à medida que seu personagem experimenta a interação virtual com outros seres humanos, como sair virtualmente com uma “garota” que pode muito bem ser um gordo peludo de meia-idade chamado Chuck (ah, MSN… Oh, Tinder!). Confesso que preferia um ator não tão “descolado” como Sheridan, como por exemplo Clark Duke ou quiçá Michael Cera, mas enfim… Olivia Cooke repagina a Samantha/Art3mis do livro de Cline, de modo que sua atuação funciona bem no longa, assim como os demais personagens dos Cinco do Topo (Aech, Daito e Sho). É impressionante como os efeitos especiais conseguiram recriar os tiques de interpretação de cada personagem.

Ben Mendelsohn parece que aprendeu bem a lição tida em Rogue One sobre “como interpretar um bom vilão”: obstinação irrefreável no cumprimento de seus objetivos (afinal, Sorrento é um homem de negócios), sério, momentos de descontrole sem perder a postura, e um tom quase paternal para fazer ameaças. Por outro lado, o veterano Mark Rylance usa sua xp com filmes de drama para dar o tom mais solitário e triste à sua versão de Halliday, mas toda essa atmosfera triste ganha um aspecto um tanto mais leve pelo fato de se tratar de um personagem Nerd, dando a Halliday um carisma especial (chupa, Sheldon Cooper!).

Jogador Nº 1 é, portanto, diversão garantida para as mais variadas idades, bem do feitio do Spielberg dos anos 80, consistindo numa história bastante diferente daquela que lhe deu origem mas que, assim como o livro, usa como catalisador as toneladas de referências à cultura pop das mais diversas mídias, prestando notável tributo tanto aos ídolos de uma geração “mais experiente” de Nerds quanto aos de uma geração mais nova.


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