Na verdade eu me sinto extremamente idiota de ter que fazer esse texto, mas visto a imensa estupidez nerd que tomou a internet com o início da corrida de estúdios de cinema referente à adaptação de Marvel de DC, acho que esse texto pode vir a ser útil. Toda vez que um filme de super-heróis é lançado se inicia uma enorme discussão que acaba girando sempre em torno dos mesmos temas. “Na Marvel tudo é colorido”; “A DC é mais séria e profunda”; “Na Marvel todos os filmes são iguais”; “Na DC tudo é sombrio demais” e por aí vai. Certamente você já ouviu um desses argumentos e talvez já os tenha usado. Obviamente que esse debate acaba se estendendo para coisas como “A DC sempre foi mais séria e a Marvel sempre foi a mais piadista” ou “A Marvel sempre se conectou melhor com o público e os personagens da DC sempre foram deuses distantes e intocáveis”. Um monte de gente defendendo lados, onde até mesmo surgem adjetivos pejorativos para defender ambos os lados. Algumas vozes com mais lucidez aparecem vez ou outra para tentar explicar que essa é uma discussão sem sentido e que ambas as editoras tem coisas mais sérias e também bem humoradas, mas acabam sendo sufocados por comentários do tipo “Quem gostou desse filme é um lixo”, “Quem gostou desse filme não entende nada de quadrinhos”, “Esse filme é coisa de criança”, etc.

Vamos resolver isso de uma vez por todas (como se isso fosse possível).

A DC revolucionou o mundo dos quadrinhos para sempre com o Superman, criando todo o conceito de super herói. Para bem da verdade a DC foi uma série de editoras de quadrinhos que acabaram se agrupando sob um mesmo selo e lá estava Superman, assim como Batman, Mulher Maravilha e todos os outros personagens que hoje são mais do que clássicos. Graças a eles nós temos o gênero dos super heróis tão consolidado no imaginário popular. Sem eles nada disso teria acontecido.  Aqui surge o conceito de heróis deuses que pareciam ser um tanto intocáveis. Até mesmo Batman, que supostamente era um homem comum, acabava indo para o espaço e viajando entre as dimensões com seu parceiro Robin, em sua fase mais colorida e cômica nos quadrinhos. A grande questão é que suas histórias caíram num profundo marasmo e repetição gerando situações que hoje parecem totalmente bizarras e ridículas para nós. Superman com cabeça de leão, Batman de uniforme rosa e Super Moça voando num unicórnio.

Então veio a Marvel.

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A Casa das Idéias surgiu com a “ideia” de fazer heróis figuras mais humanas e trágicas. O médico manco que vira um deus nórdico; o milionário com o coração que pode parar a qualquer momento e se transforma num dínamo da ciência; a família disfuncional, entretanto com poderes fantásticos. O auge chega com o adolescente pobre e excluído que vira o super herói por um acaso do destino.  Da mesma forma que a DC, a Marvel se forma a partir de outras editoras menores como a Atlas, mas se unifica sob um mesmo selo de forma mais concisa que a DC. De certa forma podemos dizer que Marvel salvou a DC do marasmo criativo que ela havia caído. A nova competidora surge para sacudir a editora clássica e fazer um novo padrão surgir.

Com a desconstrução iniciada pela Marvel, a DC decide ir mais fundo e acaba iniciando a Era de Bronze com a revista Lanterna Verde e Arqueiro Verde (que falamos aqui). A DC levou a desconstrução mais longe do que se imaginava ser possível. Nunca antes os problemas sociais e políticos foram abordados de forma tão direta e profunda. Graças a esse novo nível criado pela DC, a Marvel se propôs a entrar na dança e fez um de seus grandes clássicos como “A Morte de Gwen Stacy” e “A Morte de Fênix Negra”. Graças a DC a Marvel pode perceber que o padrão que ela mesma criou poderia ir ainda mais longe.

Com a chegada dos anos 80 temos os dois clássicos avassaladores que mudaram tudo, Watchmen e Cavaleiro das Trevas, ambas sob o selo da DC. Essas duas obras foram tão poderosas que passaram a pautar o estilo de ambas as editoras pelo resto da década e por todos os anos 90. Na verdade esse cinismo e seriedade de ambas as obras acabaram sendo uma espécie de maldição, pois todos queriam emulá-los, mas sem o mesmo talento.  Além de outros problemas econômicos que assolaram o mundo dos quadrinhos e o surgimento da Image, tanto Marvel quanto DC ficaram a beira da falência. Não é a toa que neste momento surgem diversos crossovers entre ambos na tentativa de alavancar as vendas. Juntaram forças em vez de lutarem uma com a outra.

Com a virada do milênio a Marvel chega com um novo fôlego através do selo Ultimate recriando o Homem Aranha, Vingadores (agora chamados de Supremos), Quarteto Fantástico e X-Men. Tal ideia gerou um novo interesse pelo mundo dos super-heróis clássicos como um todo, gerando um novo padrão para o século XXI.  Com o novo foco gerado em cima dos Supremos a DC começou a se mexer e criar e repensar a Liga da Justiça que havia gradativamente sendo deixada de lado.

Acho que já deixei mais do que claro o quanto é necessário que ambas editoras existam, pois uma empurra a outra para cima através de uma competição saudável. Se somente uma delas existisse provavelmente já teriam falido há muito tempo. Além do que os grandes gênios desta mídia, em sua grande maioria, já trabalharam para ambas as editoras. Alan Moore, Frank Miller, Neil Gaiman, Grant Morrison, John Byrne, Jack Kirby e, até mesmo, Stan Lee já trabalharam para ambos os lados.

No cinema a coisa não é muito diferente. Superman tem os créditos por fazer o primeiro grande filme de super heróis que foi seguido por Batman, mas assim como nos quadrinhos as sequências foram decaindo gradativamente, talvez por não existir uma Marvel para competir com eles. O gênero acaba morrendo até que um dos títulos da Marvel (amparados pela Fox) reascende o interesse do grande público pelos super heróis, eu estou falando dos X-Men. Graças a eles nós temos o primeiro longa do Homem Aranha e por fim a trilogia Nolan do Batman. Até que surge a Marvel Studios, implantando um novo estilo e dominando o gênero, principalmente no que diz respeito a “universo compartilhado”. Devido a isso surge o atual universo cinemático da DC.

Não percebem? Se hoje você vibra com Batman v Superman e diz que todos os outros filmes são bobos e infantis, é graças a esses mesmos filmes que você pode assistir Batman v Superman. Da mesma forma que se você ama Vingadores, foram os filmes do Nolan que elevaram o nível do jogo, e ele só pode fazer tudo que fez graças a X-men. E por ai vai. Uma precisa da outra em todos os sentidos. Tanto para aprender como para saber o que não se fazer.

Ambas são sombrias e igualmente cômicas. Essa ideia de que uma é de um jeito, e a outra é o inverso, é totalmente irreal. Ambas as editoras já trabalharam nos dois espectros e já fizeram de tudo com seus personagens. O que vocês estão vendo no cinema, ou nos seriados, nada mais é do que anos de quadrinhos que foram pensados, escritos e desenhados, que por sua vez só surgiram por causa de outros quadrinhos que os inspiraram ou competiam na mesma época.  No fim do dia elas acabam sendo irmãs que andam de mãos dadas, pois se uma cair, a outra acabará com o mesmo destino, pois não haverá a outra para puxá-la para cima.

A Marvel precisa da DC, e vice e versa, e esse é o motivo de ambas terem gerado os maiores super heróis do mundo.

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Raul Martins

Autor dos livros Cabeça do Embaixador e Onde os sonhos se realizam

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