A nossa memória é um dos bens mais valiosos que possuímos. Através dela, podemos não apenas recordar fatos importantes do passado, mas também imortalizar a imagem de pessoas queridas e suas batalhas particulares. Ainda Estou Aqui, de Marcelo Rubens Paiva, se aproveita justamente desse item precioso para contar um relato sincero e emocionante que deu origem ao filme que colocou o Brasil novamente na disputa pelo Oscar de Melhor Filme Internacional após 26 anos.

O livro é uma narrativa autobiográfica na qual o autor fala de sua mãe, Eunice Paiva, e de sua busca para descobrir o que aconteceu com o marido, o ex-deputado Rubens Paiva, após ele ser preso por agentes da ditadura em 1971. Enquanto enfrenta a burocracia e a corrupção do regime militar para revelar a verdade, Eunice vê a necessidade de se reinventar e criar os cinco filhos sozinha. Décadas depois, a família Paiva ainda aguarda respostas, mas precisa lidar com outro desafio: a luta da matriarca contra o Alzheimer.

Ainda Estou Aqui é literalmente um produto das memórias de Marcelo, o que significa que os capítulos seguem a ordem dos pensamentos do escritor e algumas divagações no caminho. Assim, nem sempre há ordem cronológica entre os capítulos. Ora lemos passagens sobre sua infância, tempos de estudante e sua posição como tutor legal da mãe após o avanço do Alzheimer.

Contudo, o foco está no contexto político da ditadura militar e como a vida de sua família foi afetada pelo regime. A censura e o autoritarismo só dificultam ainda mais que Eunice consiga informações confiáveis sobre o que de fato aconteceu com Rubens Paiva no dia em que ele foi detido. E conforme as respostas vão surgindo (na maior parte vindas de fontes de fora do governo), percebemos a extensão da crueldade daquele período.

Enquanto o medo e a manipulação da verdade prevalecem, Marcelo e seus irmãos testemunham a batalha da mãe mudar de “encontrar o marido” para apenas “atestar a morte dele” e lhe dar um fim digno. E mesmo transparecendo força e determinação, isso cobra um preço emocional tanto de Eunice quanto dos filhos.

Ainda que demorando décadas, as conquistas começaram a vir a cada nova disputa judicial. Infelizmente o diagnóstico de Alzheimer vem junto, reforçando a ironia de que a memória encontra seu principal antagonista em uma obra sustentada por lembranças. Nesse ponto, o autor faz um desabafo sincero sobre as dificuldades de cuidar de alguém com essa doença e os meios para tornar a tarefa suportável tanto para a pessoa doente quanto para seus familiares e amigos.

Com Ainda Estou Aqui, Marcelo Rubens Paiva torna sua mãe a protagonista de suas memórias, já que as memórias da própria Eunice foram comprometidas de forma irreversível. Através de suas palavras, somos levados a um período sombrio da história do Brasil e conhecemos uma mulher que, mesmo nesse contexto, não se deixou intimidar.

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Leia a crítica do filme Ainda Estou Aqui (2024) [em breve]

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Mozer Dias

Engenheiro por formação, mas apaixonado pelo mundo da literatura e do cinema. Se eu demorar a responder, provavelmente estou ocupado lendo ou assistindo a um filme.

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