A ambição e a ética são duas ideias que, geralmente, não andam juntas. Há inúmeros casos que para atingir um objetivo, os ditos “empreendedores” não medem esforços, mesmo que precise passar por cima de outras pessoas. Fome de Poder é um filme que aborda justamente esse conceito. Construindo a dualidade entre empreendedor de sucesso e raposa traiçoeira dentro da transformação da pequena hamburgueria dos irmãos McDonald’s na grande franquia de fast-food comandada por Ray Kroc (Michael Keaton). Em um grande (e sujo) exemplo do sonho capitalista.
Vamos a uma pequena sinopse: Após receber uma demanda sem precedentes e notar uma movimentação de consumidores fora do normal, o vendedor Ray Kroc adquire uma participação nos negócios da lanchonete dos irmãos Richard (Nick Offerman) e Maurice “Mac” McDonald (John Carroll Lynch) no sul da Califórnia e, pouco a pouco eliminando os dois da rede, transforma a marca em um gigantesco império alimentício.
Vemos todo esse processo pelos olhos do homem em questão, Ray Kroc. Um homem visionário que, por mais que já tivesse uma situação de vida estabelecida, não se contentava. Ele queria mais. A literal “Fome de Poder” sempre esteve presente nele e depois de alguns fracassos com o negócio dos copos e a estagnação dos mixers de milk-shakes, Ray encontra nos irmãos McDonalds a chance que ele tanto buscava para crescer. Assim como em A Rede Social, filme que mostra a ascensão do Facebook, Fome de Poder também trata da temática capitalista corriqueira de apropriação de ideias e como qualquer pessoa com a ambição e capacidade necessária (meritocracia) terá o direito de passar por cima de qualquer um. Uma crueldade real no mundo dos negócios, e que cada um enxerga-a de sua própria maneira: alguns como heroísmo e outros como canalhice.
O filme é baseado nas biografias de Kroc (autorizada e a não autorizada). E isso é um fator que pesa na avaliação do roteiro do filme, escrito por Robert D. Siegel. Pois ele se limita em criar dificuldades e apresentar soluções fáceis, ao nível de aparecer um desconhecido que apresenta a ele todo um plano imobiliário elaborado para salvar sua situação financeira. De toda maneira, por ser um filme biográfico, o espectador pode encarar isso até de forma natural. A direção, assinada por John Lee Hancock (de Um Sonho Possível), consegue criar um ambiente durante o longa onde percebemos a ambição de Kroc se elevando, ao ponto de passarmos a enxergar o protagonista como o vilão da história. E para isso a atuação de Michael Keaton foi fundamental.
O cinismo de Keaton é todo o filme. Sua atuação é ímpar em demonstrar toda a virada que nos é apresentada do personagem que, de apenas um vendedor, torna-se o grande “messias” da rede alimentícia e imobiliária. Como que um persistente empreendedor se torna um carismático e voraz empresário que não apresenta misericórdia, nem com seus antigos bem-feitores. Porém, Fome de Poder peca em não saber construir os dois lados da moeda de forma mais coesa, pois não evolui a trama de maneira crítica necessária para colocar o sofrimento das outras pessoas que Kroc literalmente passa por cima. Reforçando muito mais a visão de um grande símbolo cínico do sucesso capitalista, do que a de um ser inescrupuloso e cretino que ele foi.
Porém o que mais incomoda no filme é sua própria história real. Sabermos que Kroc foi capaz de montar um império não só enganando, como também tirando os irmãos McDonalds da história por um bom tempo, para mais tarde tachá-los como os caras que fizeram o pior negócio do mundo. Uma triste história contada por um filme mediano.