Recentemente tivemos algumas boas doses de filmes que contam a história de grandes escritores. Professor Marston e as Mulheres-Maravilhas conta a história da criação da primeira super heroína do mundo dos quadrinhos e O Homem Que Inventou o Natal narra a saga de Charles Dickens em escrever Um Conto de Natal, um dos maiores marcos da literatura inglesa. Agora temos outro filme que se propõe a contar a vida de um grande autor britânico, mas neste caso é uma autora.

  Criada num ambiente onde a leitura era muito estimulada, e filha de autores relevantes no cenário inglês, Mary desde cedo apresentou interesse na arte da escrita. Quando se apaixonou por Percy Shelley, saiu da casa de seu pai com o objetivo de finalmente viver como uma adulta. Entretanto, ela não viveu o grande romance que imaginou e sua vida de casada se sucedeu numa série de desventuras que a levaram a uma grande tristeza. Todo esse sentimento ruim se canalizou para a criação do livro Frankenstein.

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 Sem duvida nenhuma a história do Doutor e sua criatura criada a partir de pedaços de corpos é uma das mais influentes de todos os tempos, a ponto de ser amplamente conhecida por aqueles que nunca tocaram no livro em si. O filme que conta a vida de Mary é dirigido por Haifaa Al-Mansour, e este é o primeiro trabalho dela num longa metragem, da mesma forma que este também é o primeiro roteiro de Emma Jensen. Ambas fazem um trabalho muito satisfatório para suas respectivas estreias.

 É muito difícil analisar com precisão um filme baseado em fatos reais, principalmente quando eles são centrados na vida de uma única pessoa. As cinebiografias tem a hercúlea tarefa de transformar qualquer vida em algo muito emocionante de se ver e, ao mesmo tempo, ser suficientemente baseada em fatos reais para poder se proclamar como cinebiografia. Este filme em questão é especialmente difícil, pois a vida de Mary foi cheia de reviravoltas e dramas e, por vezes, pode ser até difícil assistir ao filme e se conectar com boa parte dos personagens.

 A protagonista é interpretada por Elle Fanning, que sustenta muito bem os momentos dramáticos e passa a seriedade necessária que o papel pede. Sua personagem em si passa por duríssimas provações e por vezes podemos achá-la excessivamente passiva diante dos diversos personagens que a maltratam e tiram vantagem dela. De certa forma, este é o arco de Mary no filme, mas temos a sensação de que isso não se concretiza 100%.

 Todos os outros personagens são absolutamente detestáveis. Percy Shelley é tão insuportavelmente escroto que você vai se pegar querendo entrar na tela para socá-lo. Total capacidade do ator Douglas Booth em despertar a raiva em quem assiste. De certa forma ele acaba sendo uma espécie de antagonista de Mary em termos de roteiro. Claire Clairmont (a irmã) e Lord Byron também têm papeis importantes e igualmente malditos na vida da protagonista. Com tudo que cerca Mary fica difícil se conectar completamente com a história, pois temos poucas pessoas para quem torcer além da personagem principal.

 Talvez tenha sido um equívoco de Emma Jensen focar o roteiro quase que completamente no relacionamento entre Percy e Mary, apesar de ser compreensível estruturar dessa forma para facilitar criação de tensões e uma finalização. Mas este enfoque no casal é tão excessivo que às vezes temos a sensação de que Percy é o protagonista do filme. Isso talvez não fosse um grande problema se ele não fosse um personagem totalmente detestável. Se Percy fosse construído de forma menos unidimensional e com mais complexidade, o filme teria sido bem mais interessante.

 O filme é um grande drama e muito possivelmente te deixara bastante melancólico ao final. Mary passou por dramas terríveis e usou toda essa dor para criar uma história que ecoará por muito tempo. O longa permite vislumbrar algumas dificuldades que ela enfrentou por ser uma mulher querendo publicar no final do século XIX e por escrever sobre um assunto extremamente delicado para os padrões da época, mas, mesmo assim, revolucionou a literatura. Frankenstein é tido como o primeiro livro de ficção cientifica (mesmo que o rótulo só tenha sido oficializado nas revistas pulps do século XX) e compõe a profanada trindade do terror junto com Drácula e Médico e o Monstro.

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Raul Martins

Autor dos livros Cabeça do Embaixador e Onde os sonhos se realizam

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