Abordando o sentimento de maternidade tolido, O Sacrifício é um filme independente que se encontra no catálogo da Netflix, trazendo uma trama sobre misoginia e patriarcado envolvendo rituais de sacrifícios de clãs pagãos em uma pequena ilha isolada da Escócia. Apesar de trazer um tom até satisfatório de mistério, o filme peca em ritmo de narrativa, questões de roteiro e superficialidade na questão do patriarcado.
Tora Hamilton (Radha Mitchell), renomada cirurgiã, acaba de se mudar com seu marido para as remotas Ilhas Shetland, na Escócia após perder sua gravidez. Ela encontra o corpo de uma jovem mulher e, intrigada, passa a pesquisar sobre o que ocorreu, embarcando em um perigoso mistério.
O Sacrifício é uma trama de mistério bem básica, um corpo é achado no quintal de Tora, cheio de inscrições rúnicas, parecendo ter sido fruto de um sacrifício. E logo o mistério se monta, e de cara já percebemos um complô dos homens da ilha para que esse mistério fosse arquivado pela polícia. Chega ser um tanto besta como todo personagem masculino do filme ameaça Tora sem mais nem menos e que a personagem trate aquilo com naturalidade, tirando do espectador até o entendimento do porquê ela se mudou para um lugar tão inóspito como aquele. Essa dúvida é realmente causada, mas principalmente pelo ritmo do primeiro ato.
As coisas acontecem tão rápido no início da trama que fica confuso para o espectador entender os motivos para que Tora e seu marido se mudassem para a ilha, e também não trabalha decentemente na personagem o sentimento de ter perdido uma gravidez, mesmo sendo uma obstetra. Mas o verdadeiro “mistério” acontece quando ela encontra o corpo de uma mulher em seu quintal, e a trama avança em passos galopantes em um mistério até um tanto previsível e sem muito suspense.
O filme foi escrito e dirigido por Peter A. Dowling, que não tem um currículo muito invejável (apenas 4 filmes como roteirista), o mais famoso é o Plano de Voo com Jodie Foster. O Sacrifício foi apenas o segundo longa que ele dirigiu. O filme até conta com uma boa direção de arte, mas peca em quesitos bem básicos, como roteiro e narrativa; como citei anteriormente, há coisas importantes que se passam em um piscar de olhos, comprometendo o total entendimento da trama. Um pecado de direção. Os nomes mais famosos no casting é o de Radha Mitchell (Silent Hill) e Ian McElhinney (Game of Thrones), que tem atuações bem monótonas em seus papéis. Na realidade nada se destaca muito nesse filme.
O que chama mais atenção é a questão do ritual pagão, e como que uma possível seita conspiratória teria espaço numa sociedade atual como aquela do filme. E a resposta é a mais obvia possível, chegando a menosprezar o espectador. Parece que todos que vivem naquela ilha fazem parte direta ou indiretamente de uma sociedade repressora e patriarcal, até mesmo as mulheres. Dando a entender que a única pessoa que não sabia era a única que estava disposta a ajudar Tora, a policial Dana (Joanne Crawford). Uma tremenda forçação de roteiro.
A questão sobre a sociedade misógina e patriarcal da ilha passa quase que batida durante o longa, ela é somente jogada na tela, e só. O filme nem tanta fazer alguma reflexão mais profunda sobre o tema, ou trazer algum empoderamento maior das personagens femininas, que acabam apenas reagindo mais por sobrevivência do que pra se impor à aquela ameaça misógina assassina. Um desperdício de elucubração em um tema tão atual e vigente, deixando aquele cheirinho preguiçoso de apenas “trazer algo que choque na trama, mas que não mexeremos muito”. Infelizmente.
No fim até que a duração enxuta do longa fica de bom tamanho; 1 hora e 30 minutos contando os créditos e a abertura (sim, sempre falam pra não confiarmos em filmes que possuem aberturas, tirando 007). O Sacrifício é um filme que nem o elenco e nem a produção se destacam de forma positiva, aliás, apenas de forma negativa, como problematizações preguiçosas e torpes em cima de temas e questões importantes. Cheirando um certo oportunismo até. Enfim.