Tive uma grata surpresa quando zapeando descompromissadamente os canais da HBO me deparei com a estreia de WestWorld. Desde o final da sexta temporada de Game of Thrones, série de maior sucesso que adapta os livros de George R. Martin, me encontrava numa carência forte de séries para assistir regularmente do canal pago que se notabiliza por fazê-las com grande esmero. 

Percebi que WestWorld é uma série que, SIM, cobre à altura o vazio deixado no período de hiato de Game of Thrones no canal, período que o número de assinaturas da HBO caem vertiginosamente. E apesar de comparações muito profundas entre ambas as séries não serem tão justas por tratarem de temáticas bem distintas, WestWorld consegue um êxito ainda maior que Game of Thrones por praticamente aproveitar ao máximo a notória liberdade criativa que a HBO oferece no meio, conseguindo tocar em questões verdadeiramente humanas. 

Não falo isso porque GoT é uma série de fantasia, WestWorld também é, mas falo porque a nova série aborda essas questões humanas de uma forma ainda mais contundente mesmo tendo como alvo de sua história os androides, seres não-humanos, criados pelos próprios homens. E que intriga interessante é essa: Como personagens não-humanos conseguem levantar questões tão humanas e filosóficas, carregando no colo o espectador a reflexões imediatas sobre a nossa própria realidade? 

Vamos à sinopse da série para você entender melhor as minhas afirmações: Westworld é um parque temático futurístico para adultos, dedicado à diversão dos ricos. Um espaço que reproduz o Velho Oeste, povoado por androides – os anfitriões – programados pelo diretor executivo do parque, o Dr. Robert Ford (Anthony Hopkins), para acreditarem que são humanos e vivem no mundo real. Lá, os clientes – ou convidados – podem fazer o que quiserem, sem obedecer a regras ou leis. No entanto, quando uma atualização no sistema das máquinas dá errado, os seus comportamentos começam a sugerir uma nova ameaça, à medida que a consciência artificial dá origem à “evolução oriunda do erro”. Entre os residentes do parque, está Dolores Abernathy (Evan Rachel Wood), programada para ser a típica garota da fazenda, que está a descobrir que toda a sua existência não passa de uma bem arquitetada mentira.

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No primeiro momento a proposta é bem simples: O parque é um local onde as pessoas vão extravasar, viver uma história de aventura que não é possível em suas vidinhas reais: Caçar bandidos bancando o mocinho e conquistando as donzelas ou ser o vilão matando inocentes e estuprando suas vítimas. Estas são duas das várias opções que os clientes/convidados podem escolher dentro de WestWorld, e muitos acabam mostrando suas verdadeiras índoles, sublimadas no mundo real, lá dentro. O convidado pode fazer tudo o que ele quiser com os androides, que são codificados a não, mesmo querendo, infligir danos aos humanos. Cada androide anfitrião do parque tem sua própria consciência com suas ações limitadas dentro de seu roteiro programado. Porém agem e pensam como uma pessoa real, sentindo dores e emoções verdadeiramente humanas, pois são programados para tal.

Criaturas vivendo como marionetes pela vontade de seu criador“. Impossível não relacionar esse tópico, tão bem aprofundado na série, com a nossa própria realidade. O que fazemos além de viver ao bel prazer do “destino” ou de algum deus querendo se divertir com nossas vitórias e tragédias? Em WestWorld os humanos visitando o parque são verdadeiras deidades visitando o mundo artificial para se divertirem. E ainda há o grande Criador, o verdadeiro deus desse mundo: Dr. Robert Ford, que com apenas um pensamento, a seu bel prazer, controla todos os anfitriões. Tudo isso faz a série trazer uma alusão muito interessante com nossa própria triste realidade.

E o que podemos falar dos anfitriões? São meros coadjuvantes no parque, estando ali somente para satisfazer os desejos e as vontades dos convidados. O Bandido a ser caçado, A Meretriz a ser conquistada de graça, o Xerife a ser passado para trás, todos prontos a viver ou morrer pelas vontades dos humanos que pagam caro para isso. E no dia seguinte eles são costurados, remendados e resetados (sim, eles apagam a memória dos androides) para serem colocados novamente em serviço.

Entre tantos personagens dentro do parque, a história se prende ao Mocinho, Teddy (James Marden), e a já citada Donzela, Dolores. Eles são interligados por uma paixão fadada à tragédia pelo roteiro que, dia após dia, obriga o casal a ter suas honras, seus amores e suas vidas roubadas através de balas e estupros, no estilo clássico do Velho Oeste. Porém tudo começa a ficar diferente com a nova atualização dos anfitriões. Eles passam a lembrar de fragmentos de memórias de suas histórias de abuso e objetificação já vividas anteriormente, isso começa a gerar uma camada dentro de seus softwares ainda mais forte do que suas próprias consciências: O Subconsciente. Trazendo indagações dos personagens dentro de suas próprias vidas dentro do parque e reflexões ainda mais profundas ao espectador mais atento.

Há de se notar também que o uso da violência e nudez sempre foram marcas registradas das produções da HBO, e como não era para menos, WestWorld também usufrui desses elementos. Porém nesta produção o espectador realiza tais cenas num âmbito geral da mensagem que a série pretende transmitir. Não está ali apenas como um artifício gratuito e sensacionalista para prender a audiência, como vemos em algumas outras séries do canal (inclusive em GoT). Tem um contexto e um porquê para aquilo estar aparecendo na sua tela.

A série é produzida por J.J. Abrams, que dispensa comentários, e Jonathan Nolan, o irmão menos famoso, embora também competente, do conceituado diretor de filmes. Jonathan também assina como escritor e diretor geral da série, apresentando uma visão nada comum do conceito de vida artificial. Já presenciamos muitas obras do gênero, mas nenhuma com tanto potencial quanto WestWorld, que já levanta essas e ainda mais questões em seus ainda cinco primeiros episódios da primeira temporada. 

Entre tantas questões levantadas na série, há também as questões filosóficas: Penso logo existo? Deve-se saber o porquê de seu pensar para existir como uma consciência? O que são os androides? O que somos nós? Criadores? Criaturas? Criaturas brincando de criadores? Criadores brincado com suas criaturas? É das indagações do ser humano sobre si mesmo que nasce a mais pura filosofia, que não é por menos, é a ciência mais humana que existe. E WestWorld é a série mais humana dos últimos tempos. 

WestWorld é transmitido aos domingos, 23h, pela HBO. A partir do dia 06/11 passará para o horário de 0:00h, sendo precedido pela reprise do episódio anterior que começará as 23h. Recomendo Fortemente!

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Daniel Gustavo

O destino é inexorável.

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