Olhe bem para a imagem acima. Olhe bem! Preste atenção em cada detalhe e, quando acabar, responda: o que lhe vem à cabeça diante desta imagem promocional de um filme com tal título, Um Amor Inesperado? Acredito que muita gente (eu, inclusive) poderia pensar que se trata de mais uma comédia romântica pastelão, inspirada nos moldes hollywodianos, onde o casal sorridente de meia idade que protagoniza o filme se mete em altas confusões e que, ao final, descobre o amor avassalador que sentem um pelo outro, tudo isso com a estereotipada “guerra dos sexos”, representada pelo contraste entre as cores rosa e azul (maldita Damares!). Para nossa alegria, é com prazer que informo que as aparências enganam.

Longe de ser propriamente uma comédia, o longa argentino dirigido por Juan Vera conta a história de Ana (Mercedez Morán) e Marcos (Ricardo Darín), um casal de classe média que se depara com um gigantesco vazio em suas vidas, individuais e a dois, depois que o único filho se muda para cursar a faculdade no exterior. Apesar de parecer ser uma sinopse bastante simples, o modo como a trama se desenrola é que faz toda a diferença, sobretudo pela combinação entre os diálogos excelentes e a fotografia.

O primeiro ato do filme é o mais dramático de todos, onde o casal, dono de uma invejável relação duradoura, começa a se dar conta de que o fogo da paixão está se apagando. Ao invés de um diálogo abstrato e impessoal sobre assuntos como a natureza do amor, a Síndrome do Ninho Vazio, o medo da solidão e até da morte, o filme aposta na atuação dos protagonistas pra individuar, pra encarnar essas questões. Substituindo a fórmula do personagem sorridente e genérico perguntando ao seu par “qual é a sua visão sobre o amor?“, o diretor Juan Vera teve a excelente sacada de colocar, por exemplo, o casal numa sala escura à noite, sem sono, em decorrência da nova angústia que experimentavam ante à ausência do filho, onde Marcos faz a seguinte pergunta a Ana: “você ainda está apaixonada?“. Sim, sim, quando vi esse diálogo da primeira vez, completei mentalmente a sentença, “você ainda está apaixonada por mim?”, mas esse foi um dos muitos excessos desnecessários que o diretor teve o cuidado de evitar para não subestimar o espectador.

Além dos excelentes diálogos, os sucessivos problemas cotidianos compõem a segunda metade do drama  que culmina na separação do casal. Tralhas de decoração caras que só servem pra ocupar espaço em casa, roupas espalhadas e atrasos são alguns dos dilemas vividos pelo casal, e é justamente essa proximidade com a vida cotidiana que faz com que o espectador reflita sobre o modo como lida diariamente com as diferenças a dois.

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Após uma separação sem brigas ou gritos, inicia-se o segundo e cômico ato do filme: como é voltar à vida de solteiro sendo uma pessoa de meia-idade, em tempos de redes sociais e Tinder? Inicialmente, poderia-se pensar que o filme recairia em velhos esterótipos, que inevitavelmente conduziriam ao reforço de discursos sexistas e preconceituosos, mas esse é um ponto que também não passou despercebido pelo diretor. O relacionamento com pessoas mais novas, tanto da parte dele quanto da parte dela; a readaptação ao fato de morar sozinho; o poder das redes sociais para destruir relacionamentos; os Tinder Dates, e o sexo sem compromisso, tanto na perspectiva do homem quanto na da mulher e sem moralismos, são alguns dos pontos que o filme trata de uma forma bastante leve, mas que ainda assim deixam uma pontinha um tanto amarga ao final da gargalhada, por mexerem existencialmente com a gente.

O terceiro e último ato não traz grandes surpresas, indo em direção diametralmente oposta ao título do filme: inesperado. Após as idas e vindas de relações que não deram certo, Ana e Marcos se vêem diante da constatação de que procuraram em relações superficiais aquilo que tiveram a vida toda enquanto casados: a estabilidade de uma relação duradoura. Impossível não lembrar daqueles versos de Drão, de Gilberto Gil: “tem que morrer pra germinar“. O ápice dessa constatação é a cena em que Ana e Marcos dialogam via Skype: apesar da impessoalidade de estarem conversando virtualmente e por texto, a fotografia executou um jogo de opostos, de claro e escuro, que ganhava carga sobretudo pelas expressões faciais dos atores.

Apesar do final previsível e, principalmente, do título e das imagens promocionais que não oferecem uma boa vitrine para o filme, Um Amor Inesperado traz uma película com um bom entrosamento entre os atores, excelentes diálogos e uma boa direção, fugindo da maioria dos esterótipos dos filmes românticos (que não são poucos!), tratando com grande sensibilidade os dilemas dos relacionamentos a dois em tempos de modernidade líquida.

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