Durante o início da era moderna houve uma grande especulação financeira em cima do cultivo de tulipas. Uma espécie rara de flor, de difícil cultivo em determinadas regiões do Velho Continente. O preço dos bulbos das flores e as apostas em cima das cores que nasceriam acabaram escalonando de forma inacreditável e se tornou o primeiro caso de especulação de um mercado financeiro, por mais rudimentar que ele foi. Amor & Tulipas coloca esse evento histórico como pano de fundo para contar uma história sobre traição e intrigas amorosas.

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Sophia é tomada como esposa de um rico comerciante de Amsterdã que desejava ter um filho depois da morte de sua esposa. Os problemas começam quando ela se apaixona pelo pintor contratado para fazer retratos do casal. Paralelamente a isso temos a narrativa da empregada da casa que está apaixonada pelo vendedor de peixe local.

Admito que este é um filme que demora para engrenar. O primeiro ato apresenta a trama geral, mas não cativa no início e tem cara de novela padrão envolvendo amantes e coisas do gênero. Entretanto, se você der uma chance e se permitir chegar ao segundo ato, logo perceberá que a trama é bem mais intrincada e cheia de reviravoltas. A direção de Justin Chadwick trabalha em conjunto com uma equipe de montagem muito boa que faz diferentes núcleos se mesclarem perfeitamente, dinamicamente uma cena chama a outra. Em nenhum momento você sente que a história está fazendo uma pausa para te contar outra coisa, e sim que tudo faz arte do plano geral. Parte disso também é crédito do roteiro que é baseado num livro da escritora Deborah Moggach. A adaptação para o cinema foi feito por Tom Stoppard e pela própria autora. Palmas para ela que pegou um evento tão especifico da história e utilizou para contar uma história que consegue ser ao mesmo tempo simples e cheia de momentos originais.

Christoph Waltz faz o marido de Sophia. Um homem bom, porém sem tato e um tanto chato. O típico burguês tedioso e grosseiro. Ele desempenha esse papel sem grandes dificuldades ao mesmo tempo em que faz uma figura aparentemente simples de forma eficiente. Alicia Vikander (atriz de A Garota Dinamarquesa, Ex Machina e do vindouro filme de Tomb Raider) faz a protagonista que vive o romance proibido, além de toda a tensão latente de viver uma mentira absurda em vários níveis. Dane DeHaan faz o pintor apaixonado que está disposto a tudo para ter uma vida com sua amada e, felizmente, não cai no estereótipo de artista excêntrico e totalmente emotivo. O hilário Zach Galifianakis faz um personagem cômico como é de se esperar, muito bem por sinal, e Cara Delevingne tem um papel pequeno como a malandra das ruas. Judi Dench também possui um papel pequeno, mas que ela desempenha muito bem como é de se esperar de uma atriz do porte dela.

Para quem gosta de filmes históricos esse é um dos mais interessantes e únicos justamente por se tratar de um evento tão singular da historiografia europeia. Como estudante de história não pude deixar de ficar fascinado como Moggach fez uso da questão das tulipas para contar uma história nada simples envolvendo traição e relações extraconjugais. Uma trama que vai muito além de “meu marido não pode descobrir que eu durmo com o pintor”. É aquele tipo de história aonde os personagens vão inventando mentiras em cima de mentiras para encobrir as anteriores. Logo você se pegará com o corpo tenso nas situações chaves da trama. Aquela sensação clássica de pensar em voz alta coisas do tipo “ai meu deus ele vai ver”, “se esconde ali” e toda a sorte de frases que as senhoras proferem quando estão assistindo sua novela favorita. Muito provavelmente você sentirá coisas parecidas com o decorrer da exibição.

Apesar do primeiro ato ser por vezes monótono, ele é eficiente para estabelecer os alicerces da narrativa. Mas temos uma conclusão que pode desagradar algumas pessoas. Não por algo absurdo ou incongruente com a composição geral do filme, e sim por fazer usos de recursos narrativos comuns e tidos como fáceis. Pessoalmente achei tudo bem encaixado, porém estou consciente de algumas decisões fracas, muito mais pela forma de como foram contadas no filme. Talvez no livro elas sejam muito mais bem descritas e forneçam uma sensação de completude maior, mas nesta adaptação temos uma cara de fim de novela, desta vez num sentido não tão positivo.


Amor & Tulipas

Nota

 

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Raul Martins

Autor dos livros Cabeça do Embaixador e Onde os sonhos se realizam

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