Uma utopia. Sim, Capitão Fantástico, primeiro longa-metragem escrito e dirigido por Matt Ross (Silicon Valley e Big Love), mostra-nos uma família vivendo uma utopia da vida moderna: viver fora do sistema. Isolados da civilização, a família Cash consegue o feito de viver por sua própria conta, sem a sub-educação, sub-alimentação e sub-saúde concedida quase que obrigatoriamente pelo governo dos EUA. Isso mesmo, Ben (Viggo Mortensen) e sua esposa Leslie (Trin Miller), resolvem viver e criar seus filhos fora do sistema capitalista, em um lugar remoto onde todos se educariam, exercitariam e se alimentariam fora dos dogmas e doutrinamentos do “Estado opressor”. Porém as coisas começam a dificultar quando Leslie comete suicídio, após ser internada devido a um grave transtorno psicológico.

Casos isolacionistas são conhecidos não só no mundo real como também no cinematográfico. Os Amishs são os mais famosos dentro deste universo, a comunidade enraizada nos EUA, de costumes conservadores e que restringem seus integrantes ao uso da tecnologia e interação com o mundo, praticamente vivendo ainda no século XIX. Os Amishs já foram retratados diversas vezes pela mídia: filmes, séries, até na animação Os Simpsons. Porém é um grupo que tem seus costumes baseados nas suas motivações e crenças religiosas. Uma produção conhecida que também retrata um caso isolacionista real é Na Natureza Selvagem de 2007, filme baseado na vida de Christopher McCandless que acompanha sua tentativa de viver fora do materialismo do cotidiano e sua busca de se tornar um com a natureza.

Capitão Fantástico mostra verdadeira genuinidade em sua premissa, viver fora do sistema por motivações políticas. Com o intuito de transcender as traves do sistema em todos os sentidos, a família Cash vive sua jornada de gerir-se de forma plena. Plantar e caçar seu próprio alimento saudável, afastando os riscos à saúde causado pelo incentivo ao consumo imposto pela sociedade. Ensinar e aprender sem os métodos, etapas e alienações determinadas pelas diretrizes das políticas educacionais do sistema. Educar sem os preceitos e dogmas religiosos, e sim os científicos, filosóficos e naturais do ser humano. E conseguem assim levar suas vidas com grandes mostras do sucesso desse estilo de vida, principalmente na área do saber, onde todos são estimulados a ler, aprender e criar um senso crítico sobre aquilo.

Os contrapontos a esse estilo de vida não demoram a pipocar em tela. Após a morte traumática de Leslie, a família Cash resolve viajar para participarem de seu funeral, que se encontrava na responsabilidade dos avós das crianças, os mesmos que viam esse estilo de vida como um absurdo e perigoso para as crianças, além de culparem Ben pelo suicídio de sua filha. Essa viagem expõe a família em como se fosse uma missão, como se a civilização fosse um cenário enganoso que todos sempre ouviam falar de seus pais e liam nos livros. Choque de realidade também claramente observado quando os filhos de Cash são expostos à outras crianças na viagem.

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Capitão Fantástico flerta bem com a mensagem de que a vida pode ser muito bem realizada fora dos padrões, apesar de nos apresentar um caso de sucesso muito peculiar e praticamente impossível na vida real. Principalmente no quesito da educação, onde seria necessário no mínimo um tutor multidisciplinar de nível brilhante para transmitir tais conhecimentos, mesmo com o apoio de livros. Porém a forma crua e simples como isto foi apresentado faz-nos refletir como consumimos, pensamos e repassamos tais costumes dentro da caixinha da obviedade, como se passássemos esta responsabilidade para a Escola/Estado. Assim também quando esta responsabilidade é transferida somente para os livros, observado no filme quando há o questionamento de que não basta reter todo o conhecimento obtido através das páginas sem ter sua própria experiência de lidar e aprender com aquilo, principalmente no conhecimento não-científico.

A curva dramática do filme é uma etapa que nos faz refletir se tudo aquilo que foi demonstrado ao longo do filme vale à pena. Se as crianças realmente estão preparadas para enfrentar suas vidas nesse mundo que eles tanto combatem e criticam, mas que também tanto os atraem. Apesar de todos esses sentimentos, resta a certeza de que este é o único mundo que temos para ser vivido. Gerando não só um forte questionamento em Ben, se tudo isso não teria sido um linda ilusão, como gerando também um belo arco final que chega a ser emocionante com tamanha relação criada pelo espectador com a trama.

Capitão Fantástico obtém um grande sucesso em contar uma história fora dos padrões de maneira singela e inteligente, que até de forma simples nos faz questionar alguns costumes clássicos, seja você um conservador ou um liberal. Viggo Mortesen encorpa muito bem o filme que nos deixa a cada momento julgando se o modelo de vida levado por Ben Cash e seus filhos, apesar de alguns exageros nos treinamentos de sobrevivência, é válido ou não, mas que realmente não deixa de ser um modelo utópico. Enfim, um filme a ser apreciado e pensado.

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Daniel Gustavo

O destino é inexorável.

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