Um dia comum em uma lanchonete fast-food se transforma num enredo bizarro quando uma funcionária é acusada de roubo. Obediência, filme de 2012, começa retratando algo muito comum: é uma sexta-feira como qualquer outra em uma lanchonete de uma rede de fast-food e acompanhamos os funcionários conversando e se preparando para abrir o estabelecimento. Entre preparativos no balcão e na cozinha, rolam as conversas de praxe sobre dias de folga e como aproveitar melhor a o fim de semana. Já a gerente, Sandra (Ann Dowd), já começa o dia se estressando com um freezer estragado. Porém logo essa sexta-feira vai deixar de ser um dia como qualquer outro na vida daquela equipe.
Sandra recebe a ligação de um homem que afirma que uma das funcionárias, Becky (Dreama Walker), roubou dinheiro de um cliente. O homem se identifica como policial e dá instruções à Sandra para questionar Becky. A garota se mostra surpresa e assustada e diz que não roubou dinheiro algum, nem mexeu nas coisas de nenhum cliente. Mas a gerente se vê na obrigação de cooperar com o policial e segue suas instruções. O que mais ela poderia fazer? Era uma autoridade da lei e, mesmo que ela confiasse em Becky, era melhor fazer o que o policial dizia. Porém à medida que a conversa avança, vemos as instruções dele se tornarem mais e mais invasivas.
Dizer que Obediência é um soco no estômago seria errar no susto e na intensidade. A experiência de assistir esse filme está mais para ser chamado à pagar uma multa de trânsito e acabar nos porões de alguma delegacia corrupta levando choque nas partes íntimas. Sim, é de arregalar os olhos e dizer “o quê?! Isso não pode ser real!”. Também é de embrulhar o estômago. É O Absurdo, assim em letras maiusculas mesmo. Absurdo que vai, pouco a pouco, se desenrolando diante de nossos olhos e cada vez descendo um degrau a mais na degradação. Não um absurdo surrealista, um absurdo fantasioso, mas o absurdo real – desconfortável, constrangedor e, por fim, repugnante e criminoso. A direção de Craig Zobel foi cuidadosa ao não fetichizar certas cenas, um problema bem comum quando se trata de cenas de abuso sexual no cinema. Em Obediência não vemos além do necessário para entendermos o que está acontecendo.
Mentes doentias e manipuladoras podem guiar outras com muito mais facilidade do que imaginamos. Infelizmente não se trata apenas de ficção. Obediência é baseado numa história real, ocorrida não apenas uma, mas mais de 70 vezes, em 70 lanchonetes espalhadas pelos EUA. É isso que torna o filme mais tenso e os acontecimentos mais desoladores: ver a que ponto as pessoas podem chegar ao obedecer ordens ou até mesmo sugestões, sobretudo de figuras de autoridade, mesmo que não sejam diretamente forçadas a isso. Às vezes bastam ameaças veladas, gracejos despretensiosos ou elogios por estarem cooperando e fazendo um bom trabalho, como aconteceu com a gerente da lanchonete.
O título original do filme (Compliance) nos dá uma visão ainda mais ampla da situação. Compliance é uma palavra que pode ser usada como sinônimo para obediência, mas vai além. Conformidade, sujeição e subordinação são outros sinônimos da palavra, além de ser um termo usado no mundo corporativo que implica em seguir normas, regras, diretrizes e observar a lei. Mas o que mais se aplica em relação ao filme é que COMPLIANCE é uma palavra usada com o sentido de obediência cega e complacência. Ou seja, obedecer tudo e todos sem questionar. Nada inofensivo e muito perigoso. Agir com complacência pode levar a erros catastróficos e traumas irrecuperáveis. O problema é que somos educados para obedecer sem questionar, não somos educados a pensar e chegar às próprias.
A esperança é que as coisas estejam mudando com essa nova geração – acusada de problematizar tudo e reclamar demais. Pois que problematizem e reclamem. Para haver mudança é preciso um bando de reclamões (vários deles) dispostos a apontar problemas onde todos já se conformaram que não tem como ser diferente. Conformidade: eis aí uma atitude desprezível. A postura mental de “vamos fazer de uma vez o que estão mandando pra acabar logo com isso” é o real problema. E às vezes a gente age assim por cansaço mesmo. Ainda bem que a juventude sempre questiona. Não é à toa que o único que manteve uma postura sensata e se recusou a fazer parte daquele show de abusos e absurdos foi o adolescente da equipe.
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