Preciso ser honesto com qualquer um que está lendo essa crítica e dizer que antes de qualquer coisa tenha em mente que eu sou um grande fã do Stephen King (só ver quantos textos ele é citado aqui no site) e que It é o meu livro preferido do autor. O livro, que já fora adaptado para a TV em 1990, foi originalmente publicado em 1986. Eu tenho um completo fascínio por essa obra em especial. Esse filme era um dos que eu mais esperava de toda a boa leva que estamos tendo nesse ano de 2017. Para mim esse não é um remake do tal filme icônico de 90, e sim uma outra adaptação do mesmo livro.
Um grupo de amigos, o grupo dos Otários, vive numa pequena cidade de Derry onde uma criatura, que, por vezes, assume a forma de um palhaço, está matando diversas crianças e adolescentes (incluindo parentes próximos de elementos do grupo). Juntos eles começam a investigar o que acontece nessa cidade que parece estar amaldiçoada desde sempre.
Você provavelmente vai ver muita gente por aí dizendo que esse filme é “tipo Stranger Things”, mas é preciso entender que é justamente o oposto. A série retrô da Netflix é quem se inspira nesse livro, e em outros do King, para montar sua proposta, além de outros elementos da cultura pop também. O que você vai ver em It: A Coisa é a concretização de muitos elementos que sempre influenciaram a cultura pop, mas no âmbito da literatura. King e alguns filmes de Steven Spielberg fundamentaram esse conceito de crianças se unindo para enfrentar algo sobrenatural ou perigoso. Portanto entenda esse filme como o que ele é: adaptação de uma obra que já era icônica para diversos amantes de terror que vieram a criar conteúdo para cultura pop. O próprio medo de palhaço foi altamente amplificado por causa desse livro e a produção para a TV. Certamente que esse filme pode só ter saído devido ao sucesso da série da Netflix, mas a série, em parte, só existe por causa de livros como It.
Para os amantes de filmes de terror esse pode ser uma produção que não venha a dar muito medo. Ele é mais sobre a visão infantil de algo assustador do que algo verdadeiramente aterrorizante. Mas, se você não tem muita experiência nesse meio, ele pode realmente se provar um longa bastante tenso e fazer sua mão suar em diversos pontos. O filme é muito mais uma aventura com tons bem macabros aliados com momentos cômicos impressionantemente bons. A comédia consegue se misturar com os momentos assustadores de forma impecável e faz gargalhar alto com os ótimos diálogos e atuações.
Esse filme é um espetáculo de atores mirins. Impressionante como conseguiram um pessoal tão novo e tão bom. Finn Wolfhard (o protagonista de Stranger Things) faz um jovem boca suja, piadista e verdadeiramente engraçado que realiza momentos emblemáticos nesse filme. Seu trabalho aqui está bem diferente do que estávamos acostumados, e é impecável. Jack Dylan interpreta um hipocondríaco divertido e com ótimos momentos cômicos e assustadores. Jeaden Lieberher faz um protagonista crível e complexo, que realmente te convence que ele merece tal protagonismo. Sophia Lillis é a única garota do grupo e é um papel complicado, que ela consegue desempenhar bem. A garota que todo mundo ama, é inteligente, carismática, mas no fundo um tanto problemática. Jeremy Ray é o gordinho que não tem como não adorar, além de ser altamente relevante em diversos sentidos. Os outros atores mirins são bons, mas não recebem muito do espaço do roteiro para se mostrar.
Agora vamos para o palhaço. Muito se falava de que a primeira versão do Pennywise (que foi interpretado por Tim Curry) era absurdamente boa. Mas o que Bill Skarsgard faz aqui é muito bom e na altura do anterior. Ele cria uma personalidade própria para seu palhaço e é bastante marcante. Consegue ao mesmo tempo ser assustador, mas bizarramente carismático de um jeito macabro. Ele pode realmente te assustar, mas dificilmente você vai tirar os olhos da tela enquanto ele estiver nela.
Agora vamos aos conceitos do filme. Como eu já disse o filme acaba sendo mais uma aventura dark do que um filme de terror (apesar de ter seus momentos). O conceito que define a coisa, a criatura, está bem fiel e bem desenvolvido. O filme não deixa muitas dúvidas, mas ao mesmo tempo mantém uma boa dose de mistério. As cenas de terror/ação são ótimas e criativas. Andy Muschietti soube muito bem como dar vida na tela para os diversos monstros e assombrações que a coisa assume. Também soube muito bem como guiar seus atores e extrair todas as emoções que o roteiro pedia. Humor, terror, beleza, deslumbramento e tudo que puder imaginar. O roteiro feito por Chase Palmer, Cary Fukunaga e Gary Dauberman consegue satisfatoriamente condensar essa linha cronológica do livro e mantém boa parte dos conceitos originais. Mas obviamente temos algumas mudanças.
As crianças estão muito mais preocupadas em resolver algumas questões pessoais do que propriamente salvar a cidade. De modo geral, o grupo quer solucionar uma questão que o público sabe lá no fundo qual é a solução. Independente disso, é impossível não ficar completamente entregue a esses personagens. Em especial dois elementos do grupo de garotos não são muito bem aproveitados, tanto por falta de diálogos interessantes quanto por falta de ações que impactam. Alguns elementos que são metafóricos acabam ganhando versões físicas para se adaptar ao áudio visual, algo que quebra um pouco o ar de mistério que envolve a coisa, mas não é nada fatal. É usado o clichê da pessoa que precisa ser resgatada, o que não condiz muito com a personalidade de uma personagem, além de um dos seres sobrenaturais (quem leu o livro sabe) ter sido ignorado no longa, apesar de algumas citações obscuras ao longo das cenas. Coisas que podem ser melhoradas na parte dois.
Para mim acaba sendo impossível não ver esse filme sem comparar o tempo todo com o livro. Peço desculpas se não consegui fazer uma crítica exclusiva do filme e não dele como uma adaptação. Acredito que, independente disso, é um longa muito eficiente e com alma. Tudo é muito vivo, divertido, apavorante e toca no fundo do coração. O grupo dos Otários é fascinante, assim como a coisa e tudo que envolve essa cidade maldita. Talvez a melhor adaptação de Stephen King no cinema. Bom para limpar o gosto amargo que Torre Negra deixou ( crítica desse filme aqui).
It: A Coisa
Nota