Um ano e meio após sua primeira aparição arrasadora na segunda temporada de Demolidor, enfim O Justiceiro ganha sua própria série na Netflix. E junto com a expectativa para vermos novamente Frank Castle em ação, também surgia algumas suspeitas e dúvidas sobre a série: Jon Bernthal conseguiria sustentar um protagonismo em uma série de 13 episódios? A discussão sobre tirar a vida ou não de um bandido ainda se sustentaria? A série traria os mesmos defeitos que Os Defensores? E entre mais altos do que baixos, O Justiceiro brinda-nos com algumas discussões e reflexões, sem deixar de lado a ação e violência que são símbolos do personagem.
Após findar sua vingança contra os supostos responsáveis pela morte de sua família, Frank Castle tenta continuar respirando para apenas sobreviver, com a ajuda de uma nova identidade e de antigos amigos de campos de batalhas. Mas depois do contato de um hacker chamado Micro, Castle percebe que toda a conspiração que sua mulher e filhos foram vítimas ainda existia, e que é uma teia tão grande que vai até o alto escalão da CIA. Disposto a mais uma vez impor justiça com as próprias mãos, o Justiceiro entra novamente em cena para trazer a punição aos seus algozes do passado e conquistar sua vingança.
Com boas cenas de ação e um protagonista interpretado visceralmente por John Bernthal, O Justiceiro é de longe a série mais violenta da Netflix sob o selo da Marvel. E era isso justamente o que os espectadores esperavam. Momentos em que vemos cérebros explodindo com tiros à queima roupa, olhos perfurados, torturas, lutas e perseguições, muito bem dirigidos e entregues pela produção e pelo elenco. Tudo o que acontecia era pra construir aquele belo momento catártico da vingança, apesar de alguns acontecimentos serem bem previsíveis. Mas não foi só de ação que O Justiceiro viveu, a série aborda temas complexos sobre a questão do porte de armas, política internacional dos EUA e, principalmente, o transtorno pós traumático que ex-combatentes das forças militares sofrem após vivenciarem a guerra.
É um tema complexo que vai desde o papel do soldado numa guerra até a sua reinserção na sociedade, onde vários jovens voltam para suas rotinas pacificadas que já não estão mais acostumados, trazendo consigo as marcas da guerra tanto no psicológico como no físico, como vemos no personagem Curtis (Jason R. Moore). Apesar de ter uma visão pessimista sobre o assunto, a série traz boas reflexões acerca desses seres humanos tentando reinventarem suas vidas. Um roteiro que foi bem pensado em trazer estas reflexões, e não ser uma série de violência apenas por violência, apesar de ter momentos bem previsíveis de viradas e “twists” na trama.
A narrativa da série é interessante no aspecto geral, porém tem momentos em que o ritmo dela cai, principalmente do segundo ao quarto episódio, quando o drama de Lieberman (Ebon Moss-Bachrach) vem à tona, e Frank Castle passa a visitar a família dele; apesar de Lieberman ter sido um excelente personagem, todo aquele contexto de esposa viúva e carente ficou massante. Porém do quarto episódio pra frente a série ganha bastante ritmo. Interpolando cada um dos sub-plots da trama: Madani (Amber Rose Revah) e Stein (Michael Nathanson) no departamento de polícia; Curtis e seu grupo de auto-ajuda; A já citada família de Lieberman… somente a Karen Page se mostra uma personagem bastante forçada novamente em mais uma temporada, agora vivendo uma espécie de “friendzone” com Frank Castle. Tenho que pontuar também alguns episódios que apostaram numa narrativa diferente e que, para mim, não acertaram; como no episódio do ataque ao hotel, em que fomos apresentados às diferentes perspectivas dos personagens sobre um mesmo evento, e no penúltimo episódio, aonde eramos a todo momento interrompidos por um sexo bizarro entre Castle e sua falecida esposa.
Confesso que havia dúvidas em mim sobre a capacidade de Bernthal em segurar as pontas ao ser a estrela de uma grande produção pela primeira vez; até então ele tinha um histórico de ser um coadjuvante limitado a apenas uma personalidade em seus trabalhos. Bem, a personalidade desse Justiceiro não se mostrou muito diferente do que ele já está acostumado, mas houve uma química tremenda com esta “especialidade” do ator e o espírito do personagem. Mas ainda assim a série contou com um excelente elenco para dar outros tons à trama e um bom suporte a Bernthal, e separei estes dois atores para citá-los especialmente agora: Ben Barnes e Daniel Webber. O primeiro faz o excelente Bill Russo, um amigo de Frank que se deu bem na vida pós-guerra montando uma empresa de segurança privada. E o segundo foi uma grata surpresa no papel de Lewis Walcott, um jovem atormentado por suas lembranças e traumas durante seu período no Iraque. Ambos os atores mostraram excelentes qualidades, o que já era de se esperar de Barnes, mas Webber deu um show de atuação como Lewis.
Se em Demolidor o gatilho para o debate sobre o “justiceiro” foi o Frank Castle, na série solo do Justiceiro esse maior debate foi trazido através de Lewis: O que é justiça quando é feita pelas próprias mãos? É algo catártico, sem dúvidas. Porém se uma pessoa pode fazê-la, então outras pessoas também a podem. E cada um tentará criar sua própria justiça, seja ela qual for. E a trama de Lewis traz o debate para um outro nível, já que ele toma o feito do Justiceiro, que vê como um héroi, como um exemplo a se seguir e justificar suas atrocidades, porém é um debate sem um fim específico. E junto a isso vem a discussão sobre o porte de armas, que a série dá uma leve canetada para trazê-la na trama. Porém é um debate muito superficial, dando de exemplo apenas a hipocrisia de alguns engravatados que promovem a abolição do porte de armas, mas que pagam por seguranças particulares. Enfim, superficial e preguiçoso são até atributos lisonjeiros para a série nesse quesito.
Ao longo dos episódios fica claro o conflito de O Justiceiro com relação a esse debate da justiça feita pelas próprias mãos. Herói ou vilão? Porém em Frank Castle em si a reflexão fica bastante simplória. O Justiceiro levanta mais a bandeira do companheirismo aos “irmãos de guerra” e da vingança pessoal do que a justiça plena, justa e definitiva como é nos quadrinhos, seja essa justiça o tão sanguinária quanto o necessário. Apenas no primeiro episódio (que funcionaria muito bem como um filme isolado) vemos o Justiceiro agindo sem nome em prol da justiça. No decorrer da série percebemos que Castle é retratado muito mais como um vingador que segue o código do bom companheiro do que como um punidor implacável, coisa esta que faz com que a evolução do personagem não aconteça do Demolidor para a sua série solo, deixando-o estagnado nas mesmas questões vingancistas. É inegável que o sentimento de vingança é o que motivou Castle a ser o Justiceiro, mas após sua vingança ser consumada na segunda temporada de Demolidor, o seriado acabou por repetir e replicar novos traidores e conspiradores políticos e militares.
Porém na série somos contemplados com o que mais gostamos: momentos catárticos. Aquele momento em que a vingança acontece. Os roteiristas souberam muito bem dosar os feitos dos vilões e dos protagonistas para que tais momentos de clímax acontecessem. E para isso Frank Castle se tornou uma verdadeira máquina de combate, que seus inimigos temem, e seus amigos também. Foi interessante ver como Castle lida com suas frustrações: sendo agressivo. Nada mais fiel a um brucutu. E com isso o grupo de ajuda ganha ainda mais relevância, trazendo aquele mesmo debate já citado, das marcas de uma experiência traumática, em um tom bem mais maduro do que àquela questão do porte de armas e de justiceiros na sociedade.
O Justiceiro se estabelece como a série mais calcada na realidade da Marvel na Netflix. Abordando questões humanas e sociais como nenhuma outra abordou, além de se colocar também como a série mais sanguinária e violenta do sel. Trazendo momentos simples e catárticos como é a vingança e o espírito de resolver tudo sozinho. Seria Jon Bernthal um novo brucutu da modernidade ou apenas mais um cara traumatizado?
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— TarjaNerd (@tarjanerd) 27 de novembro de 2017
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